segunda-feira, 20 de junho de 2011

Nuno Crato caiu num vespeiro


Ainda Nuno Crato não foi empossado como ministro da Educação, do Ensino Superior e da Ciência e já três grupos de adversários se movimentam nos bastidores:

1. Os sindicatos

Os sindicalistas têm duas fontes de rendimento, os vencimentos pagos pelo ministério da Educação e as quotas dos associados.
A imprensa costuma atribuir 70% de associados à FENPROF e 30% à FNE e vamos assumir estes valores, embora saibamos que esta outra federação só consegue movimentar uns escassos milhares de docentes.

A divisão da carreira entre professores e professores titulares bloqueava a carreira dos sindicalistas e estes decidiram incentivar manifestações distritais de docentes, bem como a manifestação de 8 de Março de 2008 que reuniu cerca de 100 mil pessoas. Depois assinaram um memorando com Lurdes Rodrigues e aquietaram-se o que levantou a suspeita que chegaram a acordo sobre alguma forma de resolver o problema deles.
Nunca se soube qual seria porque os professores começaram a agitar-se, a dessindicalizar-se em massa e, confrontados com um corte na segunda fonte de rendimento, tiveram de avançar para a manifestação de 8 de Novembro desse ano, mandando o memorando às urtigas, o que muito indignou a ministra.

A questão resolveu-se no início de 2010 com a perda da maioria absoluta do PS.
A décima alteração ao Estatuto da Carreira docente, publicada em Junho desse ano, pôs fim à divisão da carreira mas criou bloqueios que exigem anos de espera a quem não se queira submeter a aulas assistidas ou veja essas aulas menosprezadas pelos avaliadores.
Embora houvesse quotas de Muito Bom e Excelente para avaliadores e avaliados, os directores foram pressionados pelo respectivo director-regional de educação, a entidade que avaliava a sua adequação à ideologia socialista, no sentido de haver poucas classificações elevadas por contribuírem para o aumento da despesa pública.
O habitual é a formação de um grupo de compadrio em cada agrupamento de escolas/escola não agrupada que elege o director. Este depois distribui todos os cargos e os melhores horários pelos professores do grupo de compadrio. No biénio 2007-09 as classificações mais elevadas foram, em geral, atribuídas aos avaliadores escolhidos directamente pelo director ou, indirectamente, através dos subservientes coordenadores de departamento por ele nomeados.
Este modelo de avaliação causou tal náusea que muitos dos docentes mais antigos, licenciados antes do 25 A, pediram a aposentação antecipada.

Mas se é assim, por que aceitou a Fenprof um modelo análogo, e até muito mais burocrático, para o biénio 2009-11?
Primeiro, porque agrada a dois estratos da sua clientela, a saber, aos directores e grupos de compadrio, pois impõe fartura de cargos de avaliadores, e aos professores contratados dispostos a lamber os pés dos directores para garantirem o emprego no ano seguinte.
Em segundo lugar porque os sindicalistas receberam uma prenda de Isabel Alçada em Setembro — a Portaria 926/2010 que lhes permite aceder às classificações mais elevadas sem darem aulas.
O tiro saiu pela culatra a toda a gente com o congelamento das progressões na carreira no OE 2011.
Mas, claro, acalentam esperanças de que futuras negociações sobre a avaliação do desempenho docente lhes permita recolher prebendas.

Acontece, porém, que Nuno Crato não vai desencadear uma guerra por causa da avaliação dos professores, porque sabe que não precisa de nenhum modelo de avaliação para avaliar professores, basta-lhe implementar uma avaliação rigorosa dos alunos para evidenciar as melhores escolas e depois a pressão dos encarregados de educação que se preocupam com o futuro dos filhos fará o resto.

A questão da reorganização curricular é que vai trazer amargos de boca ao futuro ministro da Educação, do Ensino Superior e da Ciência.
As escolas básicas caíram nas mãos de docentes com formação na área de letras: o currículo do 2º e 3º ciclos favorece a contratação desses docentes, a própria legislação cria dois departamentos na área de letras e apenas um na área de ciências, portanto, as direcções dessas escolas vão parar às suas mãos e depois favorecem os colegas entregando-lhes as áreas curriculares não disciplinares — Área de projecto e o Estudo acompanhado — e nomeando-os para a maioria dos cargos.
Além disso temos de contar com os docentes que estão no parlamento, no ministério da Educação e nas Direcções-Regionais que são predominantemente da área de letras.
Quando Nuno Crato tentar reorganizar o currículo dos 2º e 3º ciclos eliminado as áreas não disciplinares, acabando com o par pedagógico em Educação Visual e Tecnológica e aumentando o peso das ciências vai ser torpedeado por toda esta gente com Mário Nogueira à cabeça.


2. Os directores

Os directores receberam imenso poder e um chorudo suplemento remuneratório de Lurdes Rodrigues que, em vez de resolver os graves problemas do ensino, se limitou a criar novos problemas. Trataram logo de constituir a Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) para aumentarem a capacidade reivindicativa. Ora recentemente perderam regalias e agora procuram recuperar poder.

Quando Isabel Alçada lançou a ideia das metas, o presidente da ANDAEP aproveitou logo para defender uma ainda maior "simplificação” dos programas do ensino básico pois, em sua opinião, os alunos aprendem coisas "sem utilidade".


Considerou também ser necessário relançar a formação contínua de professores: "Há anos que estamos sem uma política de formação continua. Nenhuma actividade pode atingir metas e objectivos sem uma política de formação contínua. É preciso formação em muitas áreas". Claro. São eles que escolhem os directores dos centros de formação, a formação é dada inter-pares e era mais um suplemento remuneratório que os professores formadores arrecadavam e agora não auferem.
Finalmente, Adalmiro Botelho da Fonseca defende ainda um aprofundamento da autonomia das escolas, sobretudo ao nível da contratação de professores. "Se as escolas são responsáveis por atingir os resultados têm de ter os activos materiais e humanos à sua responsabilidade. Temos de começar logo pelos professores. Temos de ter mais influência na contratação de professores". Óbvio. Actualmente só interferem no caso dos professores contratados, uns escassos 25% do total de docentes, e clamam por autonomia para poderem contratar livremente familiares e amigos.

Quando Nuno Crato exigir que os novos candidatos à docência prestem uma prova de conhecimentos, a fim de neutralizar o efeito perverso das altas classificações dadas pelas universidades privadas aos licenciados em Ensino e conseguir que o Estado consiga contratar os melhores, poderá desencadear uma guerra.


3. As escolas superiores de educação (ESE)

As antigas escolas do magistério primário formavam professores primários de qualidade antes do 25 A.
Com a sua transformação em escolas superiores de educação e a entrada dos seus docentes no parlamento, estas escolas multiplicaram-se por todos os distritos, um governo Cavaco Silva deu-lhes a formação dos docentes do 2º ciclo e com Lurdes Rodrigues chegaram ao último piso do edifício da 5 de Outubro, com o resultado que está à vista: os alunos chegam ao 3º ciclo com dificuldades na leitura e na escrita da língua portuguesa, desconhecem fenómenos elementares de ciências naturais e são incapazes de equacionar um problema da vida quotidiana.
Nas ESE os futuros docentes estudam a pedagogia suspensa no vazio, sem o suporte de conhecimentos rigorosos na área que vão leccionar, aquilo a que Nuno Crato chamou o “eduquês”.

Toda a legislação educativa está conspurcada com as regalias que conseguiram obter para os docentes que se disponham a perder tempo a fazer mestrados nas ESE, nas chamadas ciências da educação. São um Estado dentro do Estado.
O poder deste lóbi é quase ilimitado. Infestam todas as estruturas do ministério da Educação e conseguiram bloquear Marçal Grilo no primeiro governo Guterres e David Justino no governo Durão Barroso e depois eliminaram-nos, conseguindo sujar o bom nome deste último com o concurso de docentes de 2004.
Durante a recente campanha eleitoral tiveram a ousadia de exigir que passasse para a sua alçada a formação dos docentes do 3º ciclo e do secundário, deixando de se realizar nas faculdades do ensino superior universitário público. Mariano Gago permaneceu mudo.

A prova de conhecimentos que Nuno Crato vai exigir aos candidatos à docência terá neles os mais acérrimos antagonistas pois põe em risco o feudo que detêm há quase um quartel. Para não passarem pela vergonha de se verificar que os seus alunos têm reduzidos conhecimentos na área que pretendem leccionar, vão começar por bramar contra a "inutilidade" de tal prova e depois mexer os cordelinhos políticos para que seja concedida a membros seus a elaboração e correcção dessa prova a fim de que tudo fique na mesma.

Portugal é um País sem recursos minerais ou combustíveis fosseis, só haverá crescimento económico através da criação de recursos humanos qualificados.
A batalha decisiva pelo futuro de Portugal vai travar-se no Ensino e será ganha se este governo conseguir a qualificação real dos portugueses: Nuno Crato conhece o problema, idealizou formas de o resolver mas só poderá vencer o “eduquês” se dispuser de secretários de Estado leais e do apoio incondicional do primeiro-ministro.
Será na Educação que se aquilatará a estatura política de Passos Coelho.


2 comentários:

  1. Este texto constitui sem dúvida uma análise de alto nível do que se passa realmente no sector da educação. Meus parabéns.
    JPO

    P.S.: Esperemos que este texto chegue ao ministro Nuno Crato.

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  2. Caro José Oliveira,

    Agradeço as suas palavras elogiosas.

    A política educativa seguida nas duas últimas décadas, completamente centrada no sucesso, gerou a ideia de que bastava ao aluno inscrever-se na escola, e aparecer na sala de aula de vez em quando, para no final do ano ter a passagem garantida.
    Muita gente ligada à educação alinha nesta política facilitista porque a empresa ministério da Educação nunca vai à falência. Esqueceram-se de um pequeno pormenor, é que o País pode ir.
    No entanto, ainda está arreigada em muitas mentes a ideia de que se pode singrar na vida à sombra dos partidos políticos.

    O nosso objectivo é divulgar entre os encarregados de educação e o eleitorado, em geral, o que se passa nos bastidores da educação.
    Só poderá ser implementada uma nova política de Ensino assente na aquisição de conhecimentos e no real desenvolvimento de capacidades, se uma larga faixa do eleitorado assim o quiser e incentivar os filhos a estudar e a ascender socialmente por mérito.

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