segunda-feira, 4 de julho de 2011

Devemos vender o ouro?


Resolveu alvitrar o jornal alemão “Die Welt” que Portugal e Grécia poderiam vender as reservas de ouro para superarem as suas dificuldades:

"A primeira coisa que uma pessoa insolvente é obrigada a fazer é a vender as jóias de família. Mas parece que aos governos são aplicadas outras regras.
(...)
A Grécia está a negociar com a troika um novo pacote de resgate, quando Atenas detém 111 toneladas de ouro — o mesmo que quatro grandes camiões carregados podem transportar. As barras de ouro nos cofres do banco central grego valem 5,8 mil milhões de dólares. Se Atenas vendesse esse ouro, o Estado grego poderia, teoricamente, cumprir pelo menos parte dos seus reembolsos da dívida com maturidade para breve sem recorrer a ajuda externa.
(...)
Um outro país em crise, Portugal, também detém uma quantidade significativa deste metal precioso, que remonta aos tempos do regime de Salazar. Em vez de ajuda externa, Lisboa poderia ter convertido em dinheiro os 19 mil milhões de dólares que detém em ouro.
(...)
Em comparação com o resto da Europa, Portugal armazena grandes quantidades de ouro. Nenhum outro país tem tanto ouro nas suas reservas de divisas.
Mas Portugal deixou de vender ouro em 2007, e a Grécia fez o mesmo. No início do novo milénio, a Grécia vendeu quantidades substanciais deste metal, mas quando a crise chegou, manteve as suas reservas intocáveis e pediu ajuda à UE.
"




Durante a ditadura de 1926-1974 as execuções orçamentais eram rigorosas e pagavam-se as dívidas anteriormente contraídas sem recorrer a pedidos de assistência externa.
Havia uma distribuição justa da riqueza produzida: nas empresas, a razão entre os vencimentos de administradores e de operários sem qualificação escrevia-se com dois dígitos.
E poupava-se para fazer face a situações imprevisíveis, e.g. catástrofes naturais. Portugal está numa região com actividade sísmica e podem ocorrer terramotos e maremotos que obriguem à reconstrução de vastas áreas. A solidariedade internacional não resolve tudo, é preciso recorrer a poupanças. Salazar guardou-as em ouro no Banco de Portugal.

Pode-se discordar do prolongamento da guerra colonial sem a procura de uma solução política.
Pode-se discordar da proibição da actividade dos partidos políticos, apesar da sua legalização em 1974 ter desencadeado a corrupção no tecido empresarial e a degradação ética da sociedade civil.
Discorda-se veementemente da criação de uma polícia política e de tribunais militares para perseguir os opositores ao regime.
Mas não se pode discordar da política financeira de Salazar: em 1974, as reservas de ouro do Banco de Portugal elevavam-se a 866 toneladas poupadas a partir da segunda guerra mundial.

Aliás a adesão de Portugal ao Fundo Monetário Internacional (FMI), em 21 de Novembro de 1960, foi paga com 15 toneladas do ouro conforme narra Manuel Jacinto Nunes, então vice-governador do Banco de Portugal, que conduziu as negociações:

"Entregámos o ouro. Tínhamos o ouro em Nova Iorque, depositado na Reserva Federal [Federal Reserve]. Na altura tínhamos em Nova Iorque, em Londres e na Suíça. Em Nova Iorque, o ouro estava numas paletes nas caves. Uma palete correspondente a 15 toneladas passou para o compartimento do Fundo."




Em 1974 começou a sangria das reservas de ouro para pagar importações, como recorda Jacinto Nunes no final desta memorável entrevista.

Depois, o Banco de Portugal — com Vítor Constâncio como Governador entre Fevereiro de 2000 e Maio de 2010 — aderiu ao primeiro Acordo Ouro dos Bancos Centrais (AOBC), que preconizava uma política de diversificação das reservas externas.
Ao abrigo deste acordo, que durou de Setembro de 1999 a Setembro de 2004, Portugal vendeu 125 toneladas de ouro.
Na vigência do AOBC 2, nos cinco anos seguintes, foram vendidas mais 100 toneladas, o que totalizou 225 toneladas.

Não foram anunciados planos de venda durante o AOBC 3, que vai vigorar entre Setembro de 2009 e Setembro de 2014 e permite aos países signatários a venda global de 400 toneladas de ouro por ano, no máximo.

Isto parece estar a incomodar o jornal alemão, desagradado com o facto de Portugal deter em ouro 84% das suas reservas, superior aos 72% da Alemanha.
Na verdade, apesar da sangria sofrida pelas nossas reservas de ouro, Portugal ainda ocupa a 14ª posição no quadro das reservas de ouro mundiais enquanto a Grécia se fica pela 30ª.




Restam a Portugal 383 toneladas de ouro que valem 13,3 mil milhões de euros à cotação actual, logo apenas um sexto do empréstimo pedido à troika FMI/BCE/UE.
Além de que, em tempos de turbulência nos mercados, o ouro é um activo de refúgio: em 2009 a China comprou 454 toneladas de ouro e a Índia 200.

Sendo relativamente raro, o ouro é um metal precioso que foi usado para cunhagem de moedas, jóias e outras artes em todos os tempos históricos. No passado, foi implementado um padrão-ouro como política monetária, mas as moedas de ouro deixaram de ser cunhadas como moeda circulante nos anos 1930, e o padrão-ouro mundial foi substituído por um sistema monetário fiduciário depois de 1971.

O consumo mundial de ouro novo é cerca de 50% em jóias, 40% em investimentos e 10% na indústria. O ouro é um dos elementos químicos menos reactivos. A alta maleabilidade, a ductilidade, a resistência à corrosão e à maioria das reacções químicas e a condutividade eléctrica do ouro levaram à sua utilização em conectores eléctricos resistentes à corrosão em todos os tipos de dispositivos computorizados (o principal uso industrial e onde se prevê um crescimento acelerado).

Vamos vender o ouro que os nossos pais e avós pouparam durante a ditadura, que dá alguma credibilidade ao País e segurança às gerações futuras, para que a sociedade portuguesa actual continue a gastar mais do que produz? Nunca.



Cortem nas Despesas com pessoal, cortem nas Prestações sociais (abonos, subsídios, pensões, despesas de saúde), cortem na rubrica Outras até a despesa pública igualar a receita pública.
Défice, não.


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