sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Morreu o escritor Urbano Tavares Rodrigues


Urbano Tavares Rodrigues nasceu em Lisboa, a 6 de Dezembro de 1923, filho de uma família de latifundiários de Moura, Alentejo, e tinha dois irmãos.

Fez o ensino primário em Moura e o secundário, em Lisboa, no Liceu Camões. Começou por se matricular em Direito, na Universidade de Lisboa, mas em 1944 passou para a Faculdade de Letras onde se licenciou em Filologia Românica com a tese “Manuel Teixeira Gomes – Introdução à sua Obra” (1950).

Foi crítico literário e escritor, começando a publicar em finais da década de 1940. São mais de meia centena de livros, abrangendo o romance, a novela, o conto, a poesia, o teatro, o ensaio e a literatura de viagens.

Em 1948 casa com Maria Judite de Carvalho, também escritora. O casal vai viver para França, entre 1949 e 1955, o que permitiu a Urbano Tavares Rodrigues conhecer alguns dos intelectuais da década de 1950, como Albert Camus, e contactar com a corrente filosófica do Existencialismo.

Convidado, em 1955, pelo professor Vitorino Nemésio para seu assistente em Literatura Portuguesa e com uma regência de Literatura Francesa vê o seu contrato ser rescindido devido a artigos publicados na imprensa contra o Estado Novo.
Impedido de leccionar, tanto na Faculdade de Letras como no Colégio Moderno ou no Liceu Francês, envolvê-se em várias revoltas e é detido pela polícia política várias vezes, entre 1963 e 1968, acabando por partir para um exílio em França.

Após o 25 de Abril de 1974, regressou ao país e participou activamente na vida política ao serviço do Partido Comunista Português onde se filiara em 1969, tendo integrado as listas do PCP nas eleições legislativas de 1975. Durante a chamada Reforma Agrária, combinou a venda das propriedades da família e ofereceu o valor recebido, em conjunto com um dos irmãos, ao sindicato dos trabalhadores agrícolas do distrito de Beja, conforme relata em entrevista ao Negócios.

De 1974 a 1993 foi professor da Faculdade de Letras de Lisboa. Doutorou-se em Literatura com a tese “Manuel Teixeira Gomes: o Discurso do Desejo” (1984) e jubilou-se como professor catedrático em 1993.

A sua obra literária valeu-lhe várias distinções, como o Prémio Ricardo Malheiros para Uma Pedrada no Charco, em 1958; o Prémio da Imprensa Cultural, em 1966, para Imitação da Felicidade; o Prémio Aquilino Ribeiro da Academia de Ciências para Fuga Imóvel, em 1982; o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários, em 1987, para Vaga de Calor; o Prémio Fernando Namora para Violeta e a Noite, em 1991; e o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco, da Associação Portuguesa de Escritores, para A Estação Dourada.



09 Ago, 2013, 14:26


Foi um heterodoxo dentro do PCP, poético, ingénuo e sedutor, como conta numa entrevista ao Público, em 2012, de que destacamos este excerto:

Qual é o papel da literatura em momentos como este?
Sou comunista e sou escritor e nunca obedeci a pedidos para fazer dos meus livros instrumentos de combate do PC, mas como a minha ideologia é essa ela projecta-se e essa projecção é útil neste momento porque as massas necessitam do apoio dos intelectuais e eu estou a dá-lo embora dentro da minha linha, que é estética e intimista. Uma vez chateei-me com um tipo do partido que queria que eu pusesse mais sangue, mais vermelho naquilo que escrevia. Eu disse-lhe que punha o vermelho que entendesse.

Foi um dos dirigentes do sector intelectual do PC. Como é que faz a sua militância, hoje?
Continuo a ser. Pediram-me para não abandonar. De vez em quando escrevo textos que me pedem.

Porque se diz um heterodoxo?
Sempre fui profundamente anti-estalinista e tive alguns problemas com o partido por causa disso. Estive nitidamente a favor da insurreição de Praga e escrevi contra a invasão dos tanques soviéticos, das barbaridades que se fizeram. Eu era a favor da Primavera, do chamado socialismo de rosto humano. Já está a ver que a minha ideia do comunismo é a de uma economia de Estado, mas com uma certa abertura à iniciativa privada, que não seja totalitária, que não seja opressora, para poder haver espontaneidade, beleza, variedade. A favor da liberdade de culto. Sou perfeitamente agnóstico, mas acho que se deve respeitar todos os cultos.

Vítor Córdova, personagem de Solidões em Brasa, o segundo conto do seu mais recente livro, diz-se um agnóstico e há uma aluna que o interpela, afirmando que isso é o que ele diz, mas que é um espiritual, um místico. É o seu caso?
Se sou místico é só numa comunhão profunda com a natureza. Isso é mais ser panteísta do que místico.

O que lhe interessa é o homem soviético, como à sua personagem Vítor Córdova que distingue entre ser comunista e ser pró-soviético?
É mais um ponto em comum. O homem soviético era cordial fraterno, tinha qualidades interessantíssimas. Na primeira viagem que fiz à União Soviética, fui um bocado iludido, porque os guias davam-me uma imagem da realidade que não era verdadeira. Cheguei deslumbrado com uma fábrica onde os delegados da comissão directiva eram representantes dos trabalhadores, dos funcionários e dos engenheiros e aquilo funcionava muito democraticamente. Tinha uma gestão operária. Mas quando comecei a conhecer alguns escritores eles abriram-me os olhos, dizendo que aparentemente aquilo era verdade, mas que de facto era tudo combinado. Aquilo era uma mistificação. Fiquei lixado. Depois comecei a descobrir que havia muito mais sequelas do estalinismo do que eu pensava, a história do Gulag. O pior foi que o Estaline destruiu completamente tudo o que era verdadeiramente socialista, a discussão interna no comité central, o debate de ideias. Acabou com tudo isso. Já não tinha nada do socialismo marxista.

Os estilhaços chegaram ao PC português.
Era inevitável. Nunca fui estalinista, mas eu vivi em Paris num período em que os próprios camaradas do Partido Comunista Francês, com quem convivia, que me disseram que o Gulag era verdade. Abrira-me os olhos. Como o Aragon [Louis Aragon, poeta e escritor surrealista, 1897-1982], de quem me tornei muito amigo. Esse nunca deixou de ser comunista, mas não era estalinista.

Também foi amigo de Albert Camus. Que memória tem dele?
Profundo afecto. Uma vez apresentou-me uma namorada brasileira... Ele tinha muitos problemas. A mulher adorava-o e ele também gostava imenso dela, mas era um homem de muitas mulheres, uma coisa complicadíssima. Ele tinha dificuldade em romper e às as vezes acumulava duas e três até que aquilo era uma confusão dos diabos. Ele custa-lhe fazer sofrer. Era um tipo giríssimo.

Nessa época tentou o que nunca ninguém conseguiu: ser existencialista sendo comunista. Como olha para essa fase?
É verdade, uma enorme contradição, mas era muito jovem. Era um disparate, mas tentei. E achava que era possível ter ideias marxistas ligadas à filosofia da existência. Era uma utopia. Em A Porta dos Limites (1952), e na Vida Perigosa (1955) sente-se isso. Já com A Noite Roxa (1956) passou-se uma coisa interessante. Com as minhas artes consegui passar a fronteira e ir visitar a então RDA. Estive lá cinco ou seis dias e não gostei. Era um país comunista autoritário, sentia-se a presença da polícia política. Aquilo desagradou-me e voltei um bocado baralhado para o chamado lado ocidental da Europa. Eu estou contra este ocidente capitalista mas não posso estar com aquele socialismo policial.

Numa recente entrevista dizia que Álvaro Cunhal lhe perdoava uma série de rebeldias ideológicas dizendo-lhe: "tens uma alma comunista". O que é isso de ter uma alma comunista?
Eu tinha-lhe proposto uma coisa com a qual ele não concordava, uma aliança pontual com o Mário Soares. Sou muito amigo do Mário Soares, desde o tempo da faculdade. Discordamos ideologicamente, mas em alturas muito difíceis, e sem que eu lhe pedisse, ele ajudou-me, arranjou-me lugar no Colégio Moderno, até a Pide me impedir, dizendo que eu tinha ideias subversivas. Há pouco tempo ele mandou-me uma carta do Algarve, despedindo-se "com um grande abraço deste seu camarada antifascista". Foi o que ele encontrou de comum. [Risos]. Bom, o que é certo é que eu achava que havia uma série de coisas que se podiam fazer em comum, o PC com o Soares.

Em que circunstâncias?
Já não me lembro muito bem, mas ele odiava o Mário Soares. Quando se falava em Mário Soares arrepiava-se todo. Uma vez disse-me: "ai Urbano, às vezes parece que tens teias de aranha na cabeça, mas o teu coração é comunista".



09/08/2013 - 13:36

Excerto de O adeus à brisa, um documentário de Possidónio Cachapa sobre a vida e obra de Urbano Tavares Rodrigues para a RTP. O escritor fabula sobre uma fotografia antiga tentando colocar um cravo nas mãos do cavaleiro.


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