quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Tribunal Constitucional chumba por unanimidade convergência das pensões


O Presidente da República submeteu ao Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização preventiva da constitucionalidade, a apreciação das normas constantes das alíneas a), b), c) e d) do artigo, 7.º/1 do Decreto da Assembleia da República 187/XII — conhecido por convergência das pensões — recebido na Presidência da República no dia 15 de Novembro de 2013 para ser promulgado como lei.

  • As alíneas a) e c) prevêem uma redução em 10% do valor das pensões de reforma e de invalidez de valor mensal ilíquido superior a € 600,00, que foram fixadas de acordo com as fórmulas de cálculo sucessivamente em vigor da CGA, e das pensões de sobrevivência fixadas de acordo com o Estatuto das Pensões de Sobrevivência.

  • As alíneas b) e d) estabelecem um “recálculo” do valor ilíquido da parcela P1 das pensões de reforma e de invalidez de valor mensal ilíquido superior a €600,00, fixadas com base na fórmula de cálculo sucessivamente em vigor do artigo 5.º da Lei 60/2005, e das pensões de sobrevivência, substituindo em ambos os casos a remuneração inicialmente considerada pela percentagem de 80% aplicada à mesma remuneração ilíquida.

Ambos os grupos de normas aplicam-se aos pensionistas inscritos até 31 de Agosto de 1993, centrando-se a diferença no domínio temporal: enquanto as normas das alíneas a) e c) se aplicam aos pensionistas que se aposentaram até 31 de Dezembro de 2005, as normas das alíneas b) e d) aplicam-se aos que se aposentaram a partir dessa data.

O Tribunal Constitucional apreciou o pedido na sua reunião plenária de hoje. E no acórdão sintetiza a fundamentação do pedido:

Embora no plano contabilístico as normas das alíneas a) e c) possam “ser entendidas como medidas de redução de despesa, já sob um ponto de vista substancial,
a redução coactiva, unilateral e definitiva de pensões, feita através da fixação de um percentual sobre o respectivo valor ilíquido, deve ser qualificada como um imposto, à luz dos atributos constitutivos desta mesma figura na doutrina e jurisprudência portuguesas, dado que implica um esforço acrescido exigido aos pensionistas para, mediante uma supressão parcial do seu rendimento mensal, realizarem fins públicos, financiando o Estado”.
Nesta perspectiva, “elas tributariam o rendimento pessoal de uma categoria específica de pessoas em eventual desconformidade com disposições constitucionais que regem o regime dos impostos sobre o rendimento”, como sejam os

  • princípio do carácter único do imposto sobre o rendimento (artigo 104.º/1 da Constituição), pois “fragmentaria a tributação do rendimento oriundo da pensão, dado que a redução de 10% viria a ser cumulada com a taxa do IRS”;
  • princípio do caráter pessoal do imposto sobre o rendimento (artigo 104.º/1 da CRP), já que se criaria um tributo que desconsideraria a capacidade contributiva do sujeito passivo, ou seja, as necessidades e os rendimentos do próprio e do seu agregado familiar, não prevendo a realização de deduções à colecta”;
  • princípio da progressividade do imposto sobre o rendimento (artigo 104.º/1 da CRP), mediante a fixação de um corte equivalente a uma taxa única de 10% sobre o valor ilíquido do rendimento oriundo da pensão”;
  • princípio da natureza universal do imposto sobre o rendimento, através da criação de um imposto especial dirigido, em cumulação com o IRS, a uma categoria específica de pessoas, qualificadas como sujeitos passivos em razão da sua condição de pensionista da Caixa Geral de Aposentações”, vulnerando-se o princípio da igualdade (artigo 13.º/2 da CRP).

Mesmo que "
não se qualifique de imposto o acto de redução em 10% das pensões de aposentação, reforma, invalidez e sobrevivência de valor superior a 600 euros ilíquidos mensais", considera-se que:

“A liberdade de conformação do legislador não deixa de se encontrar sujeita a limites fixados por princípios estruturantes do sistema de direitos fundamentais, como é o caso do princípio da protecção da confiança, deduzido do artigo 2.º da CRP, o qual censura normas dotadas de eficácia retroactiva, autêntica e inautêntica, que, sacrificando interesses legalmente protegidos e direitos fundamentais, como o direito à segurança social, não sejam previsíveis e sejam portadoras de uma oneração excessiva que frustre legítimas expectativas dos seus titulares na continuidade dos regimes onde se sustentou a constituição desses direitos e interesses.

Nas normas questionadas, estão em causa “
direitos constituídos”, tendo o Estado criado, junto dos pensionistas abrangidos, expectativas da continuidade do direito ao pagamento de pensões fixado na base de critérios determinados (nas alíneas a) e c), através de lei vigente desde o ano de 1972 e, nas alíneas b) e d), através do regime de cálculo das pensões introduzido pela reforma de 2005).”

No final do pedido, o Presidente da República solicitava ao Tribunal Constitucional que examinasse, em sede de fiscalização preventiva de constitucionalidade:
  • A conformidade das normas das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo, 7.º do Decreto n.º 187/XII com os princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade constantes da norma do n.º 1 do artigo 104.º da CRP, bem como com o princípio da igualdade tal como se encontra enunciado no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental.
  • A conformidade das normas das alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Decreto com o princípio da protecção da confiança em associação com o princípio da proporcionalidade, tal como decorre do artigo 2.º da CRP.

O Tribunal Constitucional rejeitou qualificar a redução de 10% das pensões concedidas até 31 de Dezembro de 2005 como um imposto, mas aceitou a restante argumentação, conforme resumido neste comunicado:
O Tribunal Constitucional entendeu que os preceitos sindicados — na medida em que determinam, no que respeita às pensões de aposentação, reforma, invalidez e sobrevivência, de valor ilíquido mensal superior a 600 euros, uma redução em 10%, ou um recálculo das mesmas por substituição pela percentagem de 80% da remuneração inicialmente aplicada —, não são passíveis de ser qualificados como imposto.

Considerou, no entanto, que as referidas normas violam o princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo n.º 2 da Constituição, uma vez que os interesses públicos invocados (sustentabilidade do sistema da Caixa Geral de Aposentações, justiça intergeracional e convergência dos sistemas de proteção social) não são adequadamente prosseguidos pela medida, de forma a prevalecerem e a justificarem o sacrifício dos direitos adquiridos e das legítimas expectativas dos atuais pensionistas da CGA na manutenção dos montantes das pensões a pagamento.

Em primeiro lugar, por virtude de opção político-legislativa, o sistema de pensões da CGA foi fechado a novas inscrições a partir de 1 de janeiro de 2006, pelo que o ónus da sua insustentabilidade financeira não pode ser imputado apenas aos seus beneficiários, devendo ser assumido coletivamente como um dos custos associados à convergência dos regimes previdenciais.

Em segundo lugar, a disparidade detetada relativamente à taxa de formação da pensão entre o regime da proteção social da função pública e o regime geral da segurança social — dada a diferenciação existente quanto à fórmula de cálculo das pensões — não é necessariamente demonstrativa de um benefício na determinação do montante das pensões dos subscritores da CGA, por comparação com os trabalhadores inseridos no regime geral da Segurança Social com idêntica carreira contributiva. E nesse sentido, a pretendida igualação da taxa da formação da pensão — com a consequente redução e recálculo de pensões da CGA —, não pode ser vista como uma medida estrutural de convergência de pensões, nem tem qualquer efeito de reposição de justiça intergeracional ou de equidade dentro do sistema público de segurança social. Representa antes uma medida avulsa de redução de despesa, através da afetação dos direitos constituídos dos pensionistas da CGA, surgindo como uma solução alternativa ao aumento das transferências do Orçamento do Estado, que tem como fim último a consolidação orçamental pelo lado da despesa.

Tratando-se de uma solução sacrificial motivada por razões de insustentabilidade financeira e dirigida apenas aos beneficiários de uma das componentes do sistema, é, por isso, necessariamente assistémica e avulsa e enferma de um desvio funcional que não quadra ao desenho constitucional de um sistema público de pensões unificado.

Além disso, uma justa conciliação de interesses públicos capazes de justificar uma redução das pensões com as expectativas dos pensionistas afetados, sempre exigiria a adoção de soluções gradualistas.

Em conformidade, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade das normas acima referidas com base na violação do princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição.

A decisão foi tomada por unanimidade, tendo sido apresentadas duas declarações de voto de Maria de Fátima Mata-Mouros, que foi indicada pelo CDS, e Maria José Rangel de Mesquita, indicada pelo PSD.

Os cortes retrospectivos nas pensões da CGA iam permitir um corte bruto na despesa pública de cerca de 700 milhões de euros. No entanto, com a regra que evitava a dupla penalização de alguns destes pensionistas com a Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES), esta medida valia 388 milhões de euros.

O Governo divulgou há um par de horas a documentação enviada ao Tribunal Constitucional sobre a convergência do regime de protecção social da função pública com o da segurança social.

*

Numa declaração aos jornalistas após ser comunicada a decisão, Joaquim Sousa Ribeiro, Presidente do Tribunal Constitucional, afirmou que os "direitos às prestações legislativamente determinados por derivação dos direitos sociais constitucionais, ganham um determinado poder de resistência a posições legislativas" e o poder legislativo "não é inteiramente livre de intervir nesse domínio face aos princípios constitucionais".

Tendo analisado, por um lado, as expectativas dos pensionistas, e por outro, a relevância dos interesses públicos alvitrados para justificar a medida, o Tribunal Constitucional concluiu que “estávamos perante expectativas legítimas e consolidadas e direitos constituídos” por parte dos pensionistas, que “caso esta medida fosse aprovada, veriam as suas pensões reduzidas”, enquanto o corte de 10% das pensões da CGA era uma “medida avulsa” que visava apenas a consolidação orçamental pelo lado da despesa.

No entanto, Joaquim Sousa Ribeiro explicou que o Tribunal “nunca afirmou e não afirma a intangibilidade do montante das pensões”, ou seja, poderá aceitar alterações ao valor destas pensões no âmbito de uma "reforma estrutural do sistema" de pensões da Caixa Geral de Aposentações e da Segurança Social.


Sem comentários:

Enviar um comentário