quarta-feira, 30 de abril de 2014

Salários e pensões em 2015


Actualização em 14 de Agosto de 2014

O Tribunal Constitucional acaba de divulgar que
  • viabilizou os cortes salariais no sector público aprovados pelo governo Sócrates, mas apenas até ao fim de 2015, e
  • declarou inconstitucional a Contribuição de Sustentabilidade que o governo Passos Coelho queria aplicar sobre as pensões a partir de 2015, como dissemos neste artigo.
    Portanto as pensões inferiores a 4611 euros por mês passam a ser pagas integralmente a partir de Janeiro de 2015.

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No quadro das responsabilidades assumidas a nível europeu e reafirmadas no Memorando de Entendimento, Portugal comprometeu-se a reduzir o défice orçamental para 2,5% do PIB em 2015.

I. ESTRATÉGIA ORÇAMENTAL

As principais medidas do Documento de Estratégia Orçamental (DEO), divulgado hoje, estão resumidas a seguir (as medidas do OE 2014 que vão ser alteradas foram sombreadas a vermelho):


Administração Pública e Sector Empresarial do Estado (p.40 do DEO)

  • Reversão gradual das reduções remuneratórias nas Administrações Públicas e no Sector Público Empresarial

    A disciplina orçamental exige que a massa salarial das Administrações Públicas (APs) permaneça contida. No entanto, "a redução no número de funcionários públicos que tem ocorrido por força da reduzida taxa de substituição das aposentações e da execução de programas de rescisões por mútuo acordo, permitiu e continuará a permitir a redução da massa salarial por efeito quantidade".

    Assim, o Governo aprovou a reversão gradual das reduções remuneratórias — em 2014 houve cortes de 2,5% a 12% para os vencimentos superiores a 675 euros —, tendencialmente num horizonte de cinco anos:
    • Para 2015, a reversão de 20% da taxa de redução aplicada actualmente;
    • De 2016 e 2019, a manutenção do valor da massa salarial das APs, com os efeitos da diminuição do número de efectivos e outros ganhos de eficiência a condicionar o ritmo da reversão da redução remuneratória.

    Vai ter um impacto negativo de 225 milhões de euros, totalmente compensado pela soma dos 190 milhões obtidos pela redução de trabalhadores por aposentação com os 65 milhões derivados da execução de programas de rescisão por mútuo acordo.

  • Tabela Remuneratória Única (TRU)

    Desde 2009 está em vigor uma Tabela Remuneratória Única com 115 níveis de remunerações base, na qual todas as carreiras das APs deveriam ter sido integradas. No entanto, persistem múltiplas situações cujas posições remuneratórias não correspondem a qualquer nível na TRU, criando uma enorme dispersão.

    Nesse contexto, o Governo aprovou que, a partir de 2015, todas as remunerações base das carreiras das APs serão reconduzidas à TRU actualmente em vigor (salvo situações excepcionais). A integração decorrerá:
    • De forma imediata, a partir de 1 de Janeiro de 2015, para todos os novos trabalhadores das APs e para os casos de mobilidade entre carreiras;
    • De forma faseada, para todos os restantes casos.

  • Suplementos remuneratórios nas APs

    No âmbito da reforma da Administração Pública, importa ainda actuar sobre as outras componentes da remuneração mensal efectiva para além da remuneração base. Neste âmbito, será reduzido significativamente o número de suplementos existentes:
    • Reconduzindo-os à remuneração base, nos casos em que a devam integrar, reflectindo-se consequentemente num reposicionamento dentro da TRU; ou, alternativamente
    • Reconduzindo-os a uma de três categorias agregadoras de suplementos (salvo situações excepcionais):
      • Função ou condições do exercício de funções;
      • Responsabilidade, comando ou direcção;
      • Resultados.
    Por regra, haverá apenas um suplemento admissível por categoria, somando os valores justificados num único suplemento. Subsequentemente será elaborada uma única tabela única de suplementos (fixados em euros), sendo a sua aplicação:
    • Imediata, a partir de 1 de Janeiro de 2015 para os novos trabalhadores nas APs e para os casos de mobilidade entre carreiras, e
    • Gradual, em paralelo com o horizonte considerado para a TRU, para todos os restantes casos.

  • Promoções e Progressão nas Carreiras nas APs
    Desde 2010 estão congelados os efeitos das promoções e progressões nas carreiras das APs.
    A partir de 2015, de forma gradual, e no respeito pelos objectivos orçamentais, será retomada a normalidade da produção de efeitos da evolução nas carreiras.


Pensões da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (p.41 do DEO)

  • Contribuição extraordinária de solidariedade (CES) (Orçamento rectificativo de 2014)

    Quando o valor mensal global das pensões de um único titular se situar
    • entre 1000 e 1800 euros: sofre um corte de 3,5% sobre a totalidade.
    • entre 1800,01 e 3750 euros, além do corte de 3,5% sobre 1800 euros, tem um corte adicional de 16% sobre o montante que exceda os 1800 euros.
    • superior a 3750 euros: corte de 10% sobre a totalidade;
      • tem um corte cumulativo de 15% sobre o montante que exceda 4611,42 euros (onze vezes o IAS = 419,22 euros) mas não ultrapasse 7126,74 euros (dezassete vezes o IAS);
      • tem um corte cumulativo de 40% sobre o montante que exceda 7126,74 euros.

A CES, sempre assumida como provisória, vai ser substituída por uma medida duradoura dirigida ao sistema geral de pensões, em respeito das orientações dadas pelo Tribunal Constitucional, no acórdão de 19 de Dezembro de 2013.

No sentido de caminhar para a reforma do sistema de pensões públicas e garantir a sua sustentabilidade, são propostas, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2015,

  • Uma contribuição de sustentabilidade (CS), com a seguinte regra de progressividade:
    Quando o valor mensal global das pensões de um único titular se situar
    • entre 1000 e 2000 euros: sofre um corte de 2% sobre a totalidade.
    • entre 2000,01 e 3500 euros, além do corte de 2% sobre 2000 euros, tem um corte adicional de 5,5% sobre o montante que exceda os 2000 euros.
    • superior a 3500 euros: corte de 3,5% sobre a totalidade;
      • tem um corte cumulativo de 15% sobre o montante que exceda 4611,42 euros (onze vezes o IAS = 419,22 euros) mas não ultrapasse 7126,74 euros (dezassete vezes o IAS);
      • tem um corte cumulativo de 40% sobre o montante que exceda 7126,74 euros.

  • Um aumento das contribuições dos trabalhadores para os sistemas de Segurança Social de 0,2 pontos percentuais, para os 11,2%, mantendo-se a TSU paga pelos empregadores em 23,75%;

  • Um aumento da taxa normal do IVA de 0,25 pontos percentuais, para os 23,25%, mantendo-se inalteradas a taxa mínima e a taxa intermédia. Esta receita adicional “reverterá integralmente para os sistemas de pensões”;

  • Um factor de equilíbrio, que tornará a taxa de actualização anual das pensões dependente da “relação entre as receitas e as despesas do sistema e reflectirá todas as alterações estruturais registadas nas variáveis demográficas e económicas que o caracterizam.
    Quando o factor for negativo, uma cláusula de salvaguarda assegurará que não haverá redução de pensões. Quando o factor for positivo, haverá lugar a uma compensação pelo valor negativo acumulado em anos anteriores (e não traduzido em reduções efectivas) para evitar desequilíbrios no plano da sustentabilidade financeira do sistema
    ”.

A extinção da CES tem um impacto negativo de 660 milhões de euros, que será quase compensado pela contribuição de sustentabilidade, que permitirá encaixar 372 milhões de euros em 2015, a que se somam os 150 milhões decorrentes do aumento do IVA e os 100 milhões decorrentes do aumento dos descontos dos trabalhadores para os sistemas de Segurança Social (quadro da p.43 do DEO).


O quadro seguinte estabelece os limites de despesa financiada por receitas gerais para o conjunto da Administração Central e para cada um dos seus Programas Orçamentais:



  • A diminuição para metade na despesa financiada por receitas gerais na Economia deriva, maioritariamente, da redução das indemnizações compensatórias para as empresas públicas do sector dos transportes, por concessão da sua actividade.
  • Na Agricultura e Mar a evolução é justificada maioritariamente pela utilização de fundos europeus, em virtude de o Estado português beneficiar de 500 milhões de euros de fundos europeus para investimento na agricultura sem necessidade da respectiva comparticipação nacional, fruto das bem sucedidas negociações do quadro financeiro plurianual.
  • Na Solidariedade, Emprego e Segurança Social, a diminuição de 155 milhões de euros na despesa é condicionada pela menor transferência do Orçamento do Estado para a Segurança Social na sequência quer do aumento das contribuições sociais, quer no decréscimo do subsídio de desemprego, parcialmente compensadas pelos efeitos das alterações ao nível das políticas sobre pensões. Adicionalmente, há a considerar uma maior transferência do Estado para a Caixa Geral de Aposentações dado o aumento do número de pensionistas e a referida revisão ao nível das políticas sobre pensões.
  • No Ensino Básico e Secundário e Administração Escolar prevêem-se poupanças de 112 milhões de euros devido à diminuição do número de alunos no Ensino Básico e Secundário, dada a evolução da natalidade, e também a medidas de eficiência, tais como a maior utilização de recursos próprios, em detrimento de estudos e pareceres encomendados no exterior, a racionalização da rede de estabelecimentos escolares e a optimização de recursos de comunicações e Internet.

II. RISCOS ORÇAMENTAIS

O novo enquadramento jurídico do Sector Público Empresarial (SPE) criou condições que permitem reforçar a disciplina neste sector, que inclui as empresas do Sector Empresarial do Estado (SEE) e as do Sector Empresarial Local.
A dimensão do SEE em termos do volume de responsabilidades, nomeadamente o endividamento, continua a representar um risco significativo para os objectivos de consolidação das finanças públicas.

Neste sentido, o Governo deu início ao processo de reestruturação financeira das empresas públicas reclassificadas (EPR). As responsabilidades do Estado perante operações de EPR concentram-se nas empresas Estradas de Portugal, Parque Escolar, Metro do Porto, Metropolitano de Lisboa, REFER, PARUPS, TRANSTEJO e PARVALOREM, e os respectivos vencimentos, do ano de 2014, ascendem a 559 milhões de euros, dos quais 135 milhões no Metropolitano de Lisboa e 174 milhões na PARVALOREM. (p.52 do DEO)

No âmbito das empresas públicas não reclassificadas (EPNR), no seguimento da reestruturação operacional que tem vindo a ser implementada desde 2011 e tendo em vista a atribuição de concessões à iniciativa privada no sector dos transportes, o Governo vai iniciar a reestruturação financeira da Carris, STCP e CP. O risco do Estado por garantias prestadas a estas empresas ascende a 932 milhões de euros. (p.53 do DEO)

No entanto, "as necessidades previsionais de financiamento estimadas em 7.100 milhões de euros continuam a colocar uma pressão adicional sobre as EPNR e no que respeita ao financiamento das EPR, ainda que de forma indirecta, sobre o Estado".



30/04/2014 - 20:23

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Pôr os salários nas administrações públicas e no sector público empresarial, bem como a actualização das pensões, a depender de variáveis demográficas e económicas, por muito que nos desagrade, é uma medida acertada.
Porquê? Porque orienta a sociedade para os objectivos da qualificação efectiva dos trabalhadores, deitando para o caixote do lixo diplomas tipo "novas oportunidades" e licenciaturas tipo "lusófona", e do desenvolvimento real da economia do País assente na produção de bens transaccionáveis, descartando as quimeras da construção de auto-estradas e TGVs.

No entanto, há críticas negativas a fazer às medidas de estratégia orçamental do DEO. Entre meia centena de comentários revoltados que a notícia desencadeou no Público, apenas o seguinte comentário soube apontar o calcanhar de Aquiles da contribuição de sustentabilidade. Indubitavelmente, o analfabetismo funcional é, a par da escassez de empresários competentes e honrados, o principal problema da sociedade actual e da economia portuguesa.

Miguel Simões Correia
30/04/2014 19:55
Uma conta rápida: com as medidas anunciadas hoje na conferência de imprensa de apresentação do DEO, uma pensão de 1 000 € brutos passa a descontar (duradouramente em vez de transitoriamente) 20 € em vez de 35 € (menos 15 €); uma pensão de 3 500 Euros passa a descontar 122,50 € em vez de 350 € (menos 222,5 €).
Ora, a poupança do primeiro não lhe permitirá, certamente, pagar a factura mensal de electricidade da sua habitação; já o segundo dificilmente terá uma factura de valor superior a essa poupança. Onde está a equidade, onde está a distribuição equitativa do esforço de consolidação das finanças públicas?


domingo, 27 de abril de 2014

In Memoriam Vasco Graça Moura




Vasco Graça Moura
(1942-2014)


Nascido na Foz do Douro, no Porto, a 3 de Janeiro de 1942, Vasco Navarro Graça Moura licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Exerceu a advocacia entre 1966 e 1983 e, a partir de então, enveredou pela carreira literária.

No início do processo democrático filiou-se no PPD, actual PSD, tendo desempenhado os cargos de secretário de Estado da Segurança Social no IV governo provisório (Março a Agosto de 1975) do general Vasco Gonçalves e secretário de Estado dos Retornados no VI governo provisório (Setembro de 1975 a Julho de 1976) liderado pelo almirante Pinheiro de Azevedo.
No entanto, embora fosse amigo de Francisco Sá Carneiro, cedo se desfiliou do partido para recuperar a independência de espírito que demonstrou nas eleições presidenciais de 1980, quando decidiu apoiar Ramalho Eanes contra Soares Carneiro. Teve, porém, especial simpatia por Cavaco Silva.

Foi administrador da Imprensa-Nacional Casa da Moeda (1979-1989) onde se esforçou por combater o progressivo esquecimento dos grandes escritores portugueses de antanho, comissário-geral de Portugal para a Exposição Universal de Sevilha, de 1988 a 1992, e presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos, entre 1989 e 1995. A partir de 1996, foi director do serviço de bibliotecas e apoio à leitura da Fundação Calouste Gulbenkian.

Entre 1999 e 2009 regressou à política e foi eleito deputado ao Parlamento Europeu como independente nas listas do partido social-democrata.

Vasco Graça Moura foi um vulto cultural de primeira grandeza, deixando uma vasta obra literária com mais de meia centena de livros.

Destacamos os romances Quatro Últimas Canções (1987) e Meu Amor Era de Noite (2001) e, na poesia, Uma Carta no Inverno (1997), que recebeu o prémio da Associação Portuguesa de Escritores, e Poemas com Pessoas (1997), de entre quase trinta livros de poemas, que vão de Modo Mudando (1963) a O Caderno da Casa das Nuvens (2010).

No ensaio publicou obras como Luís de Camões, Alguns Desafios (1980), Camões e a Divina Proporção (1985), Os Penhascos e a Serpente (1987) e Sobre Camões, Gândavo e Outras Personagens (2000) que lhe dão um lugar relevante entre os cultores contemporâneos de Camões. Escreveu sobre temas tão variados como os Descobrimentos, a pintura portuguesa da Renascença, a pintura de Graça Morais, a literatura de David Mourão-Ferreira ou de Vitorino Nemésio e a vernaculidade da língua portuguesa à qual dedicou, em 2008, o ensaio Acordo Ortográfico: a Perspectiva do Desastre.

Da sua bibliografia há que fazer ainda referência à sua passagem pela dramaturgia com a peça Ronda dos Meninos Expostos (1987) e a sátira Auto de Mofino Mendes (1994) e às crónicas reunidas em Circunstâncias Vividas (1995), Papéis de Jornal e Outros Materiais (1997), Contra Bernardo Soares e Outras Observações (1999).

Mas o domínio onde se celebrizou foi como tradutor insigne que conseguia respeitar a métrica e a rima e aprimorar a obra traduzida, quer fosse a Divina Comédia e a Vita Nuova de Dante, ou as Rimas e Triunfos de Francesco Petrarca, ou os Testamentos de François Villon, ou ainda a integral dos Sonetos de Shakespeare.

Além de satisfazer o seu fino gosto estético, Graça Moura empenhou-se, como tradutor, para enriquecer o património literário disponível em língua portuguesa.
Poliglota notável — falava espanhol, francês, italiano, inglês e alemão—, traduziu também poetas como Pierre Ronsard, Rainer Maria Rilke, Gottfried Benn, Walter Benjamin, Federico García Lorca, Jaime Sabines, H. M. Enzensberger ou Seamus Heaney. E ainda as peças mais importantes de Corneille, Molière e Racine, os três grandes dramaturgos franceses do século XVII.

O Prémio Pessoa (1995) e a medalha de ouro de 1998 da Comuna de Florença foram atribuídos à sua tradução da Divina Comédia. Mas a maior distinção foi o Prémio Nacional de Tradução (2007) do Ministério da Cultura de Itália, por decisão unânime do júri, pela sua “rica e vasta actividade como tradutor, que contribuiu de forma especial para a divulgação, em Portugal e nos países lusófonos, das mais marcantes obras da literatura italiana, em versões de alta qualidade estética e de escrupuloso respeito pelos originais”.

Com uma profunda cultura humanística, foi naturalmente uma das vozes mais críticas dentro do conjunto de portugueses que defendem a língua portuguesa contra a mutilação perpetrada pelo Acordo Ortográfico de 1990, que considerava um crime de lesa-língua que apenas “serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de interesses inalienáveis dos demais falantes de português no mundo".

Em coerência, quando foi nomeado, em Janeiro de 2012, para a presidência da Fundação Centro Cultural de Belém, função que desempenhou quase até ao último dia de vida, deu instruções aos serviços para não aplicarem o Acordo Ortográfico e para que os conversores nele baseados fossem desinstalados de todos os computadores da fundação.


sexta-feira, 25 de abril de 2014

As vias tortuosas da democracia portuguesa


O movimento militar de Maio de 1926 e o convite a António de Oliveira Salazar para o ministério das Finanças, renovado passados dois anos, foram consequência da elevada dívida criada pela monarquia constitucional — houve uma bancarrota parcial em 1892 — e pela primeira República (1910-26).
Duraram dez anos as negociações para obtenção de um acordo com os credores. Mesmo assim, a conversão dos empréstimos contraídos pela monarquia constitucional ao longo de séc. XIX no novo empréstimo de 1902 não reabriu os mercados financeiros internacionais ao Estado português, que ficou por várias décadas impossibilitado de recorrer ao financiamento externo. Excepção aberta durante a participação portuguesa na I Guerra Mundial, apenas para aumentar o descalabro das finanças públicas.

Não tendo a revolução conseguido impressionar os mercados financeiros, restava a Portugal a via dolorosa da austeridade. Em Abril de 1928, Salazar reassume a pasta das Finanças depois dos militares lhe satisfazerem a exigência de poder controlar as despesas e receitas de todos os ministérios. Os resultados foram imediatos: um superavit logo na execução orçamental de 1928–29. Esse é o ano em que Bento Gonçalves ingressa no partido comunista português, que fora ilegalizado pela revolução, o reorganiza e se torna seu secretário-geral.

Em 1932, Salazar recebe a presidência do conselho de ministros e no ano seguinte faz aprovar uma Constituição em referendo organizado segundo regras que favoreciam claramente a aceitação:
  • o sufrágio foi obrigatório para o universo eleitoral de cerca de um milhão e trezentos mil eleitores que incluía pela primeira vez as mulheres que fossem chefes de família e possuidoras de, pelo menos, o curso secundário;
  • a única campanha admitida foi a favorável ao sim;
  • as abstenções e os votos em branco contavam como votos a favor;
  • o não deveria ser expressamente escrito, levando à imediata identificação do votante.
O novo regime — o Estado Novo — era uma ditadura antiliberal e anticomunista, que se orientava segundo os princípios conservadores autoritários de "Deus, Pátria e Família". Negando a luta de classes, a vida económica e social do país foi organizada em corporações de nomeação e direcção estatal, foi criado um partido único, a União Nacional, e uma polícia política, a PIDE. Da primeira República, apenas é mantido o regime republicano e a ideia de "um Estado pluricontinental e multirracial".

Numa época em que a população portuguesa rondava os 7 milhões de habitantes, a Assembleia Nacional eleita em 1935 contava com 90 deputados, entre os quais três mulheres, as primeiras a terem assento num órgão legislativo português.

Para ganhar a adesão popular, o regime recorre à propaganda e, para combater a oposição, reprime. Através do controle da informação pela Censura, da organização de tempos livres dos trabalhadores pela FNAT e da Mocidade Portuguesa, o Estado Novo procurava doutrinar a população ao estilo do fascismo, enquanto a sua polícia política perseguia os opositores do regime que eram julgados em tribunais militares especiais.

Foi o País poupado aos horrores da II Guerra Mundial (1939-45) pela hábil diplomacia de Salazar — cedeu aos Aliados a base das Lajes, nos Açores, enquanto transaccionava volfrâmio e outros metais com todos os beligerantes e afastou a guerra da península ibérica convencendo Franco a não se aliar, nem a Hitler, nem a Mussolini —, tendo havido apenas racionamento de produtos de mercearia que eram importados.

Nos anos 50 e 60 houve um fortíssimo investimento na construção de grandes barragens para produção de energia eléctrica: Venda Nova (concluída em 1951), Salamonde (1953), Caniçada (1955), Paradela (1956) e Alto Rabagão (1964) na bacia hidrográfica do rio Cávado, Picote (1958), Miranda (1961), Bemposta (1964) — as únicas três barragens portuguesas que produzem mais de 1 TWh — e Vilar (1965) na bacia do rio Douro, Castelo do Bode (1951), Belver (1952), Cabril (1954) e Bouçã (1955) na bacia do rio Tejo.

Portugal permanecia um País rural pontoado por alguns grupos industriais. Destes, destacava-se o grupo CUF, criado por Alfredo da Silva em resultado da fusão de duas anteriores companhias industriais que, instalado no Barreiro em 1908, não só veio a transformar-se no mais poderoso como no mais complexo e diversificado grupo industrial. Chegou a integrar mais de 100 empresas disseminadas pelo País e participava em praticamente todos os sectores da actividade económica nacional, desde a indústria têxtil à química, aos petróleos e à construção naval. Entrou no sistema bancário e segurador onde atingiu a posição de maior grupo financeiro português. Sempre em pujante crescimento até 1942, data do falecimento do "Grande Industrial", passou então a ser controlado pela família Mello.
O outro grande grupo industrial teve origem na empresa Cimentos de Leiria fundada por Henrique Sommer, que mais tarde adquiriu a Cimentos Tejo, criando um complexo cimenteiro que foi alargado a Angola e Moçambique por seu sobrinho António Champalimaud. Posteriormente o grupo passou a englobar a Siderurgia Nacional, fundada por Champalimaud em 1954.

Em 1960, Portugal foi membro fundador da Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), o PIB teve um crescimento anual superior a 5% e o País dispunha de avultadas reservas de ouro. Aliás a adesão de Portugal ao FMI, uma instituição credora mundial, em Novembro de 1960, foi paga com 15 toneladas do ouro que estava depositado na Reserva Federal, em Nova Iorque, EUA.

Politicamente a ditadura portuguesa também não estava isolada. Além de membro fundador da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) em 1948, e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) em 1949, Portugal foi admitido na Organização das Nações Unidas (ONU) em 1955.

Aproveitando o crescimento do PIB, Salazar investiu nos sectores da educação básica, mandando construir milhares de escolas primárias e aumentando a escolaridade obrigatória de três para quatro anos em 1960 e para seis anos em 1967. Quase todas as vilas e aldeias de Portugal passaram a dispor de uma escola do Plano dos Centenários (1940 a 1960) com projecto arquitectónico de Raul Lino, o que permitiu diminuir o analfabetismo.

No sector do ensino secundário e superior, a edificação do Liceu de D. Filipa de Lencastre, do Instituto Superior Técnico — o primeiro campus universitário português — no topo poente da alameda Dom Afonso Henriques e, já agora, da Fonte Luminosa no topo nascente, em Lisboa, deve-se a um visionário chamado Duarte Pacheco.
Admirado por Salazar devido à sua competência, este engenheiro do IST foi escolhido para Ministro das Obras Públicas e Comunicações (1932-1936), pasta que acumulou com a presidência da Câmara Municipal de Lisboa de 1938 até à sua morte prematura em 1943, a ele se devendo os projectos da Avenida de Roma, dos bairros sociais de Alvalade, Encarnação, Madredeus e Caselas, a criação do Parque Florestal de Monsanto, tendo ainda contribuído para a construção do aeroporto da cidade de Lisboa.

Salazar também investiu na saúde com a construção de hospitais, entre os quais os hospitais universitários de Santa Maria (1953), em Lisboa, e de São João (1959), no Porto, além de centros de saúde chamados "Casas do Povo".

No sector das infra-estruturas, além das barragens, foram construídas estradas e os primeiros troços de auto-estrada, de Lisboa a Vila Franca de Xira (1961) e do Porto (ponte da Arrábida) a Carvalhos (1963), e alargou-se a rede eléctrica e de saneamento básico a algumas vilas e aldeias portuguesas.

A nível internacional começava a condenação do colonialismo e o Reino Unido procedia à descolonização. Enquanto a ONU insistia com Portugal para que integrasse as colónias na lista de territórios não autónomos e as começasse a preparar para a independência, Salazar, confiando excessivamente na capacidade de miscigenação do povo português, insistia que as colónias não eram "territórios não autónomos", mas partes integrantes de um Portugal "uno do Minho a Timor".
A disputa por zonas de influência entre as duas grandes potências emergentes da II Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União Soviética, alimentava a formação de grupos de resistência nacionalistas armados. No início de 1961 ocorre uma revolta no norte de Angola. Era o princípio da guerra colonial que se desenrolou em três frentes: Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. E o ano finda com a União Indiana a invadir Goa, Damão e Diu e uma proposta de resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando a Índia pela agressão a ser chumbada pelo veto soviético.

Mesmo com o grande crescimento económico, a economia portuguesa continuava a estar atrasada em relação às grandes economias europeias, embora muito menos do que durante a 1ª República. No fim da década de 60, Portugal continuava a pertencer ao conjunto dos países europeus com menor rendimento per capita porque a maioria da população era pouco qualificada e fruía baixos salários ou vivia da agricultura de subsistência.
Apesar da construção de infra-estruturas, as cidades do litoral tinham maior crescimento económico que as zonas rurais o que, aliado ao aumento da população a chegar à idade adulta devido à diminuição da mortalidade infantil, levou quase 2 milhões de pessoas a deslocarem-se durante esta década para as cidades do litoral ou a emigrarem para a França, Alemanha, Estados Unidos e Canadá, muitos apenas para fugirem ao cumprimento do serviço militar em África. Por outro lado, as enormes despesas militares requeridas pela guerra colonial fizeram abrandar o desenvolvimento económico.
A década de 60 foi, por isso, marcada pela contestação dos jovens, principalmente universitários, que viam na democracia, no multipartidarismo e no fim da guerra colonial a solução para os problemas do País.



Átrio do edifício central do Instituto Superior Técnico, Lisboa


Instituto Superior Técnico, topo poente da alameda D. Afonso Henriques, Lisboa



Fonte Luminosa, topo nascente da alameda D. Afonso Henriques, Lisboa


Hospital universitário de Santa Maria, Lisboa


Hospital universitário de São João, Porto


O acidente de Salazar no Verão de 1968 e a sua substituição em 27 de Setembro por Marcello Caetano trouxe à classe média a esperança da realização de eleições livres e da liberalização da economia.

Caetano era professor catedrático de Direito e fora o fundador do Direito Administrativo português, tendo influenciado as ideias de várias gerações de juristas sobre uma Administração Pública legal e sujeita ao contencioso, embora com limitações políticas. Fora também professor de Direito Constitucional e também aqui orientara os seus alunos no sentido de pensarem nos fins e funções do Estado, na legitimidade dos governantes e de estudarem os sistemas de governo.

Logo no ano seguinte permitiu à oposição concorrer às eleições legislativas de 1969. Mas a única mudança foi a entrada de dezanove independentes na Assembleia Nacional porque concorreram nas listas do partido do regime, agora chamado Acção Nacional Popular.

Lançou alguns grandes investimentos como a Barragem de Cabora Bassa em Moçambique e o complexo de Sines, que envolvia uma refinaria de petróleo, indústria petroquímica e um porto comercial, e que actualmente, passados quarenta anos, volta a ser o mais importante investimento económico do Estado português.
No plano social, criou pensões para os trabalhadores rurais e para os pescadores que nunca tinham tido oportunidade de descontar para a segurança social e, chegados à velhice, ficavam na dependência de ajudas dos filhos.
Também passou a aparecer semanalmente num programa da RTP chamado "Conversas em família", onde procurava explicar aos Portugueses as suas políticas para o futuro do país e granjear apoio para as reformas que pretendia realizar.

A economia reagiu bem a estes investimentos e a população apreciou os projectos sociais e chamou à abertura política "Primavera Marcelista".

No entanto, a ala mais conservadora do regime, liderada pelo presidente da República Américo Thomaz, que o havia convidado para o lugar de Salazar, recusou a abertura política.
No outro extremo estavam os deputados independentes que constituíram a Ala Liberal — Francisco Sá Carneiro, Francisco Pinto Balsemão, Mota Amaral, Joaquim Magalhães Mota, Miller Guerra e outros — que eram adeptos de uma forte liberalização do Estado Novo e acabaram por abandonar a assembleia e ir fazer oposição nas páginas do semanário Expresso criado por Balsemão no início de 1973.
Decorrendo estes acontecimentos no cenário da crise petrolífera de 1973 que provocou uma enorme inflação em Portugal e da continuação da guerra colonial, sentíamos que o regime se encontrava enfraquecido.

A situação militar em Angola fora controlada pelas forças armadas que se limitavam a fornecer munições à Unita (marcadas porque Savimbi não era de confiança) para esta combater o MPLA.

Completamente diferente era a situação na Guiné: a 6 de Agosto de 1973 o general Spínola regressara a Lisboa e o seu lugar de governador e de comandante-chefe só seria preenchido em Outubro. Tendo estabelecido as bases na vizinha Guiné-Conacri, os guerrilheiros do PAIGC só entravam no território para realizar operações militares. Mas depois de terem sido equipados com os mísseis soviéticos terra-ar Strela, haviam abatido seis aviões da força aérea portuguesa nos primeiros meses de 1973, levando-a à quase paralisação.
Num ambiente tão tenso, a publicação em Julho de um decreto-lei que procurava atenuar as carências de oficiais intermédios, facultando a entrada de oficiais milicianos no Quadro Permanente através de um curso intensivo de dois semestres na Academia Militar, só podia dar origem a uma revolta.

Considerando-se de necessidade para o Exército alargar as suas possibilidades de preenchimento dos quadros em oficiais do quadro permanente, e de justiça para aqueles que, como militares do complemento, melhores provas têm dado no ultramar no desempenho de funções militares;

Considerando que, dada a sua anterior preparação e experiência militar, se julga possível um encurtamento dos períodos escolares mediante uma intensificação dos mesmos;

Usando da faculdade conferida pela 1.ª parte do n.º 2.º do artigo 109.º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:

Artigo 1.º - 1. Os oficiais do quadro especial de oficiais (Q. E. O.) podem transitar para os quadros permanentes das armas de infantaria, artilharia e cavalaria mediante a frequência, na Academia Militar, de um curso intensivo, equivalente para todos os efeitos aos cursos normais professados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 42151, de 12 de Fevereiro de 1959.
(...)

As reuniões preparatórias e as cumplicidades estão descritas pormenorizadamente aqui. A revolução aconteceu no dia 25 de Abril de 1974.

Neste dia, diversas unidades militares comandadas por oficiais do Movimento das Forças Armadas (MFA) marcharam sobre Lisboa, ocupando os pontos estratégicos. As guarnições militares apoiantes do regime renderam-se e juntaram-se aos militares do MFA.

Cercado no Quartel do Carmo pelas forças do capitão Salgueiro Maia e preocupado com o futuro do País, Marcello Caetano exigiu render-se ao general Spínola. Entregue o poder ao autor do livro “Portugal e o Futuro”, exilou-se no Brasil onde voltou a trabalhar como professor aos 68 anos, pois nada recebia do Estado português, e aí decidiu permanecer para sempre.

*

Durante a ditadura de 1926-1974 as execuções orçamentais foram rigorosas, pagaram-se as dívidas anteriormente contraídas e nunca se recorreu a pedidos de assistência económica e financeira externa.
Em 1974, como resultado da política financeira de Salazar e Caetano, as reservas de ouro do Banco de Portugal elevavam-se a 866 toneladas poupadas a partir da II guerra mundial.

Recebida esta excelente herança financeira, cabia aos novos políticos da democracia mostrar o seu valor. O resultado está à vista.


sexta-feira, 18 de abril de 2014

Promoções e drones nas forças armadas


Na passada quarta-feira, o ministro da Defesa, José Pedro Aguiar-Branco, visitou a Base Naval de Lisboa, no Alfeite, para a cerimónia de entrega do primeiro veículo aéreo não tripulado (drone) da empresa Tekever à Marinha portuguesa.

Tinha o ministro boas notícias para dar às forças armadas nesta visita à principal base operacional da Marinha portuguesa. O governo congelou todas as promoções no sector público mas, em 2014, vai ser aberta uma nova excepção para as forças armadas que vai beneficiar mais de quatro mil militares e aumentar a despesa do Estado em 4,7 milhões de euros anuais.

Esperemos que estas promoções satisfaçam as aspirações dos pais da democracia portuguesa que têm andado muito descontentes por causa de não terem sido excepcionados dos cortes impostos aos salários dos funcionários públicos e às pensões pelo programa de apoio económico e financeiro da troika. Tão descontentes ao ponto de altas patentes andarem a subscrever manifestos e o presidente da Associação 25 de Abril pretender discursar no parlamento no próximo dia 25 de Abril.

A Marinha também tinha uma surpresa para o ministro: a primeira demonstração pública do drone comandado remotamente que se insere num vasto plano de colaboração entre a Marinha e a Tekever para desenvolvimento de vários projectos de I&D.

Mas o voo inaugural do pequeno AR4 Light Ray não correu propriamente como previsto neste vídeo divulgado no website da empresa tecnológica portuguesa. Aliás nem se pode dizer que voou. O aviãozinho esteve 2 segundos no ar, ouviu-se um “plof“ e afundou no rio Tejo:

16 Abr, 2014, 20:46


"Erro humano", sentenciou o chefe do Estado-Maior da Armada. À segunda tentativa o drone conseguiu voar e um vídeo, entretanto partilhado pela Tekever na sua página do Facebook, mostra as imagens captadas pela câmara da aeronave na sua curta missão de reconhecimento sobre o Alfeite.

Ainda bem que o "raio de luz" é capaz de voar. É que, em finais de 2013, a Tekever vendeu, por cerca de 150 mil euros, dois destes drones à PSP e o dinheiro não cai do céu.


quinta-feira, 17 de abril de 2014

Os sírios festejam o dia da independência


Para quem só lê a imprensa portuguesa pode parecer surreal este vídeo da Reuters que mostra uma multidão na capital síria a apoiar o presidente Bashar al-Assad durante as celebrações do Dia da Independência.

April 16

"Hoje viemos torcer pelo presidente Bashar Hafez al-Assad e dizer-lhe que estamos com ele e que vamos votar nele. Queremos dizer-lhe que estaremos com ele, não importa o que acontecer", diz Nirmin Mansour, uma jovem residente em Damasco.
A Síria conquistou a sua independência da França em 17 de Abril de 1946 e este dia é tradicionalmente marcado com comemorações em todo o país.

Há dois anos que uma guerra civil está a dilacerar a Síria e já morreram mais de 150 mil pessoas, um terço das quais eram civis.
A Rússia conseguiu evitar uma intervenção militar dos EUA em finais de 2013 mas a guerra civil prossegue.

A política externa americana contemporânea de dominar política e economicamente um país situado numa região estratégica, sob a capa da defesa de valores como a democracia, e empurrá-lo para uma guerra civil quando parte significativa da população resiste à dominação, tem de ser denunciada.
A imposição da democracia por meio de uma revolução contra o governo de um País serve, em geral, para criar e instalar no poder uma nova oligarquia ainda muito mais corrupta.


O naufrágio do Sewol


A guarda costeira sul-coreana divulgou um vídeo do resgate dos passageiros do ferry Sewol que naufragou no mar. São imagens dramáticas do navio parcialmente submerso na água e dos barcos que se aproximaram dele para retirar os passageiros, alguns pendurados nas vedações do navio, outros esbracejando na água.


April 16

16 Abr, 2014, 20:57


O naufrágio do ferry sul-coreano que transportava 462 pessoas, das quais apenas 174 foram salvas até agora, poderá ser o maior desastre marítimo do país em mais de vinte anos.
Estando o mar calmo, é mais um grave desastre, neste ano de 2014, em que não se vislumbra a causa da tragédia. Alguns sobreviventes dizem que ouviram um estrondo antes do desastre. Estranhamente no país que, com os EUA e o Japão, sabe projectar e produzir os mais avançados dispositivos electrónicos, os ferries não possuem equipamentos para detectar rochas submersas ou corrigir erros de navegação.

A maioria dos passageiros a bordo do ferry eram alunos de uma escola secundária perto de Seul que estavam a fazer uma visita de estudo à ilha Jeju, a cerca de 100 km ao sul da península coreana.
Tal como sucedeu no Costa Concordia, os passageiros receberam instruções para se manterem nas cabines e, consequentemente, foram arrastados para o fundo do mar quando o navio naufragou. Para controlar o pânico, as companhias de navegação estabelecem directrizes no sentido de dividir as pessoas e acabam por as empurrar para a morte.
O comandante do ferry também foi um dos primeiros a abandonar o navio mas, pelo menos, está envergonhado pela sua atitude.


April 17


quarta-feira, 16 de abril de 2014

A secessão da Ucrânia - III


Ontem, um dia depois de terminado o prazo do ultimato dado pelo governo provisório criado pelo Maidan, em Kiev, aos manifestantes pró-russos que ocuparam os edifícios governamentais em dez cidades do leste da Ucrânia, o exército ucraniano recebeu ordens para iniciar uma operação para recuperar as zonas controladas pelos pró-russos.
Os blindados ucranianos entraram em Kramatorsk e recuperaram um aeródromo nos arredores da cidade mas, depois de serem rodeados por manifestantes pró-russos, alguns militares depuseram as armas e juntaram-se aos pró-russos.

Hoje, seis desses blindados surgiram com bandeiras russas em Slaviansk, cidade vizinha de que os pró-russos assumiram o controlo no domingo.
O ministério da Defesa do governo provisório de Kiev declarou que esses blindados faziam parte de uma coluna que entrou em Kramatorsk, onde foi “bloqueada por habitantes”, e foram capturados por “um grupo russo de sabotadores terroristas”.


Um soldado ucraniano tira a espingarda em cima de um veículo de combate, quando rodeado por manifestantes pró-Rússia em Kramatorsk, província de Donetsk, no leste da Ucrânia, em 16 de Abril de 2014.
REUTERS/Marko Djurica


Um homem armado pró-russo fala com militares ucranianos num blindado rodeado pela população local, em Kramatorsk, em 16 de Abril de 2014.
REUTERS/Maks Levin


Militares ucranianos num blindado ucraniano com a bandeira russa em Slaviansk, em 16 de Abril de 2014.
REUTERS/Gleb Garanich


Os blindados que entraram em Slaviansk foram bem recebidos pelos populares nas ruas que diziam: "O exército está com o povo!". Na véspera, o clima era de tensão na cidade, devido à proximidade do exército ucraniano que avançou sob ordens do governo provisório de Kiev.

Na cidade de Donetsk, capital da província do mesmo nome, onde o edifício regional do governo está ocupado desde há dez dias, a câmara foi tomada esta quarta-feira por homens armados, com o rosto coberto por passa-montanhas negros, que exigem um referendo sobre a secessão e começaram a levantar barricadas, embora permitindo a entrada e saída de pessoas. "A polícia não interveio. Esta situação é surreal. Exigem que o Parlamento adopte uma lei sobre referendos locais", disse à Reuters o porta-voz do município, Maxim Rovinski.





Entretanto a diplomacia russa mantém-se extremamente activa. O Presidente russo, Vladimir Putin, disse à chanceler alemã, Angela Merkel, numa conversa telefónica divulgada em comunicado do Kremlin, que a Ucrânia está "à beira de uma guerra civil". Mas os dois dirigentes têm “esperança” de que da reunião de amanhã entre os representantes da Ucrânia, Rússia, EUA e União Europeia, em Genebra, possa sair um “sinal claro” de regresso a um “quadro pacífico”.
No comunicado, o Kremlin considera as acções do exército ucraniano no leste do país como "um recurso inconstitucional à força contra manifestações pacíficas". Putin sublinhou a importância de estabilizar a economia ucraniana e de manter o fornecimento de gás russo à Europa.

Noutra conversa, agora com o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, o Presidente russo disse que "esta escalada brutal é consequência das políticas irresponsáveis de Kiev, que tem ignorado os direitos e interesses jurídicos da população russófona". E considerou "inaceitável" o uso da força contra "movimentos civis de protesto".

O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, afirmou, por sua vez: "Os ucranianos devem, eles próprios, chegar a um acordo porque as origens da crise jazem profundamente dentro do próprio Estado ucraniano ao não realizar conversações com as forças políticas de outras regiões. Caso contrário, não haverá nenhuma maneira de sair da crise". Lavrov defende uma solução federal para a Ucrânia que foi recusada pelo secretário de Estado norte-americano John Kerry.


APRIL 16, 2014


Amanhã todas as atenções estarão viradas para Putin durante a sessão de perguntas e respostas na televisão russa, um evento que se tornou uma instituição nacional ao longo de mais de uma década e que dura, em média, quatro horas. O presidente costuma falar sobre assuntos tradicionalmente caros aos russos comuns, como sejam a delapidação do parque habitacional, a ineficiência das autoridades locais e a inflação.
Mas este ano já foi anunciado que Putin fará uma extensa avaliação das sanções aplicadas à Rússia pelos EUA e pela UE após o referendo na Crimeia e a incorporação desta república autónoma ucraniana na Federação Russa.



Percentagem da população que indica o russo como língua materna no censo de 2001. Depois da República Autónoma da Crimeia, a província de Donetsk é a região com maior percentagem



sexta-feira, 4 de abril de 2014

In Memoriam Eugénia Lima


Eugénia Lima (1926-2014)


Natural de Castelo Branco, era filha de Mário António de Lima, um afinador de acordeões.

A primeira actuação profissional desta notável acordeonista aconteceu no Cinema-Teatro Vaz Preto, em Castelo Branco, quando tinha quatro anos.
Em 1935, tocou pela primeira vez na rádio, num programa de folclore da Beira Baixa da Emissora Nacional.
A partir de 1936, a carreira profissional de Eugénia Lima, então com dez anos de idade, parou pois as leis vigentes no País não permitiam a actuação de artistas menores em casas de espectáculos.

Tendo-lhe sido recusada a entrada no Conservatório Nacional de Lisboa, aos 13 anos, porque o acordeão não era ensinado naquele estabelecimento de ensino — o acordeão era o piano dos pobres —, dois músicos da Banda Militar de Castelo Branco foram os seus professores de música.

Aos 15 anos, com uma autorização especial emanada da Presidência da República, actuou no Casino do Estoril, com enorme sucesso, e não mais parou.

Em 1947 venceu o concurso de acordeonistas da Emissora Nacional e deslocou-se a França para realizar vários recitais a convite da então famosa fábrica de acordeões "Fratelli Crosio".

Aos 30 anos fundou a Orquestra Típica Albicastrense e aos 55 anos foi diplomada com o Curso Superior de Acordeão, na Categoria de Professora, pelo Conservatório de Acordeão de Paris. Actuou na Bélgica, Áustria, Venezuela, Brasil, Argentina, Canadá e Estados Unidos da América.

Ao longo da sua carreira, gravou mais de uma dezena de discos com temas populares, de diversos compositores, versões para acordeão e várias composições de sua autoria.







Novo Governo francês define seis princípios orientadores


Na primeira reunião do Conselho de Ministros francês, o novo primeiro-ministro definiu os seis princípios que deverão orientar o Governo.

Manuel Valls no primeiro conselho de ministros, nesta sexta-feira 4 de Abril, sob os dourados do salão Murat no piso térreo do palácio do Eliseu.

Clareza, Colegialidade, Eficácia

Mostrando claramente que considera ser necessário uma liderança forte, Manuel Valls definiu como primeiro pilar a "clareza" da cadeia de decisão, tendo lido o artigo 21 da Constituição francesa: “O primeiro-ministro dirige a acção do Governo”. Destina-se a evitar a falta de liderança do anterior primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault.

O segundo princípio é o critério "colegial" de tomada de decisões para comprometer todo o Executivo num projecto comum. Qualquer projecto de lei ou qualquer decisão que envolva o governo deve doravante "ser precedida por uma reunião atempada de natureza política, reunindo, sob a presidência, os principais ministros em causa". Além disso, Valls pretende reunir o conjunto dos ministros e secretários de Estado de duas em duas semanas.

O terceiro princípio é a "eficácia" de todas as acções governativas. Para Manuel Valls, "1500 reuniões interdepartamentais cada ano, é demasiado". Repetindo uma crítica de longa data de especialistas em engenharia governamental, o primeiro-ministro deseja fazer das reuniões no palácio do Matignon uma "excepção", a regra deverá ser "o trabalho cooperativo interministerial que conduza a acordos" entre os ministros.

O risco de inconstitucionalidade deve ser antecipado

O quarto princípio passa pela “solidez jurídica” porque o ex-ministro do Interior considera que só medidas juridicamente sustentadas e válidas podem legitimar as políticas do seu Executivo.

O quinto princípio passa por “ultrapassar os constrangimentos relacionados com a comunicação” que considera fundamental para o sucesso governativo. Conhecido pelas suas capacidades de comunicação — foi porta-voz de Lionel Jospin (ex-primeiro-ministro) e director de comunicação da campanha presidencial de François Hollande — Valls dará grande importância à forma como o Governo comunica entre si e à forma como expõe publicamente a informação.

O sexto e último princípio orientador diz respeito às relações com o Parlamento e à necessidade de “legislar melhor”: "Governaremos melhor, legislando menos". Além do melhoramento das leis produzidas, Valls identificou ainda o problema da “inflação legislativa”. Um excesso de legislação acaba por ser contraproducente: "A busca de um acordo com a maioria deve ser sempre a regra, esta é a base do contrato de legislatura fundado nos compromissos do presidente da República".

*

Tem a França um governo compacto e um primeiro-ministro com capacidade de liderança, governante activo e com ideias claras. Não está, porém, o seu Governo imune a riscos, como sejam as utopias que povoam a cabeça de alguns ministros e os efeitos das relações sentimentais do presidente Hollande. Vamos aguardar.


quinta-feira, 3 de abril de 2014

Físico português distinguido com prémio internacional


Um físico português foi distinguido com o prémio Jovem Cientista em Relatividade Geral e Gravitação de 2014, atribuído pela Sociedade Internacional de Relatividade Geral e Gravitação.



Participantes na conferência New frontiers in dynamical gravity que decorreu no Centro de Ciências Matemáticas da Universidade de Cambridge, em 24-28 Março 2014.
Nesta fotografia Jorge Santos está ao centro, atrás de Stephen Hawking, e usa chachecol. Outros conferencistas portugueses: Oscar Dias (Universidade de Southampton e Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa) e Carlos Herdeiro (Universidade de Aveiro).


Jorge Eduardo Santos tem 32 anos, licenciou-se em Engenharia Física Tecnológica, em 2005, no Instituto Superior Técnico e, entre 2006 e 2010, fez o doutoramento em Física Teórica no Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da Universidade de Cambridge, famoso devido ao físico britânico Stephen Hawking.
Desde Setembro de 2013 é professor na Universidade de Cambridge (Reino Unido) e investigador na Universidade de Stanford (Califórnia, Estados Unidos).

Este prémio reconhece “contribuições extraordinárias de cientistas em fase inicial das suas carreiras”, no domínio da teoria da relatividade geral de Einstein. A investigação de Jorge Santos sobre os buracos negros, apresentada na conferência New frontiers in dynamical gravity que decorreu na Universidade de Cambridge, entre 24 e 28 de Março de 2014, contribuiu para o prémio agora recebido.

*

Um buraco negro é uma região do espaço da qual nada, nem mesmo objectos que se movam com a velocidade da luz, podem escapar. São criados pela deformação do espaço-tempo causada por uma estrela supergigante que, terminada a sua vida, sofreu um colapso gravitacional, tornando-se extremamente densa. Os buracos negros podem ser detectados por meio da interacção gravítica com a matéria na sua vizinhança.




Depois de um buraco negro se formar, ele pode continuar a crescer, absorvendo massa da vizinhança. Se absorver outras estrelas e se fundir com outros buracos negros, pode transformar-se num buraco negro supermassivo com milhões de massas solares. Parece que existem buracos negros supermassivos no centro da maioria das galáxias.


Simulação de nuvem de gás depois de uma aproximação do buraco negro no centro da Via Láctea
Os restos da nuvem de gás são mostrados em vermelho e amarelo, com a órbita da nuvem a vermelho. As estrelas que orbitam o buraco negro também são apresentadas, juntamente com as linhas azuis das órbitas. Esta visão simula as posições esperadas para as estrelas e para a nuvem de gás no ano de 2021.
ESO/MPE/Marc Schartmann

Buraco negro preso em flagrante num homicídio estelar
Esta simulação de computador mostra uma estrela a ser retalhada pela gravidade de um buraco negro supermassivo. Parte dos destroços estelares cai no buraco negro e outra parte é ejectada para o espaço a altas velocidades. As áreas em branco são as regiões de maior densidade, as cores progressivamente avermelhadas correspondem a áreas de menor densidade. O ponto azul aponta a localização do buraco negro.
O tempo decorrido corresponde ao intervalo de tempo que leva uma estrela semelhante ao Sol a ser rasgada por um buraco negro um milhão de vezes mais massivo que o Sol.
NASA; S. Gezari, da Universidade Johns Hopkins; e J. Guillochon, da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz


Como era Lisboa antes do terramoto de 1755?


Quatro quadros a óleo da segunda metade do século XVIII que representam paisagens antigas portuguesas estarão em exposição na Cordoaria Nacional durante a Feira de Arte e Antiguidades de Lisboa, entre os dias 5 e 13 de Abril.

Têm a dimensão 50X60cm e pertencem ao Antiquário AR-PAB de Álvaro Roquette e Pedro de Aguiar-Branco. Expostos pela primeira vez, o conjunto dos quatro quadros está à venda.

Os quadros mostram o Palácio da Ribeira, o Hospital Real de Todos-os-Santos e o Mosteiro dos Jerónimos, e também o Convento de Mafra, permitindo-nos ver a paisagem lisboeta tal como era antes do terramoto de 1755 que destruiu a cidade.











terça-feira, 1 de abril de 2014

As energias renováveis em Portugal: o canto das sereias e a realidade


Mais um artigo do Homem que ousou defrontar Mexia e o lobby dos produtores de energia eléctrica. O leitor pode familiarizar-se com alguns termos explorando esta infografia. Imprescindível ler atentamente:


"
Ambiente e energia: negócios ou política?
01 Abril 2014, 00:01 por Henrique Gomes

Os Governos aprenderam com os erros de políticas de apoio às renováveis: mal desenhadas e demasiado generosas. Alemanha e Reino Unido impõem mecanismos de preços ajustados à evolução em baixa dos custos. Espanha, República Checa e Bulgária cortam nas tarifas das instalações existentes.

A Europa da energia

A Europa está numa encruzilhada. A sua luta contra as alterações climáticas não foi seguida pelas outras economias. Os seus dois instrumentos, mercado de carbono e penetração de energias renováveis, tornaram-se monstros de ineficiência, induziram apostas tecnológicas erradas, atribuíram subsídios excessivos e prejudicaram os mercados. A Europa falhou.

Preocupada com a competitividade da economia europeia, nomeadamente com o facto de os custos relativos da energia na Europa terem vindo a aumentar nos últimos anos face aos seus maiores concorrentes internacionais, a Comissão Europeia apresentou, em 22 Janeiro, a sua proposta para uma política energética e de combate às alterações climáticas até 2030, que inclui, entre outras, a meta global, não vinculativa a nível nacional, de 27% da energia consumida ser de origem renovável.

Para Durão Barroso, "a acção climática é fundamental para o futuro do nosso planeta, e uma política de energia verdadeiramente europeia é-o igualmente para a nossa competitividade".

A União Europeia revê assim a sua política pioneira de combate às alterações climáticas e apela aos Estados-membros para adoptarem políticas de promoção do renascimento industrial, em nome da criação de mais emprego.

Os Governos aprenderam com os erros de políticas de apoio às renováveis: mal desenhadas e demasiado generosas. Alemanha e Reino Unido impõem mecanismos de preços ajustados à evolução em baixa dos custos. Espanha, República Checa e Bulgária cortam nas tarifas das instalações existentes. Roménia, Estónia e mesmo Alemanha já ameaçaram fazer o mesmo. Grécia aumentou os impostos.

A Europa está a acordar!?

E... as renováveis em Portugal?

Em 2013, e em termos de energias renováveis para a produção de electricidade, Portugal produziu(1) 30 TWh (57% da produção bruta + saldo importador) com uma potência instalada de 11 GW (13,3 GW licenciados), devendo ter já garantido o objectivo definido pela Comissão Europeia.

A Produção em Regime Especial (PRE), que engloba a cogeração não renovável e as energias renováveis (sem a grande hídrica > 30 MW), produziu(2) sem risco de mercado 23 TWh a um preço médio de 107 €/MWh. Com um custo de 2400 M€ e um valor de venda em mercado de 900 M€, originou um sobrecusto para o sistema eléctrico de 1500 M€. Este sobrecusto, imputado essencialmente às famílias e PME, tem subido exponencialmente nos últimos anos, por efeito das quantidades e do preço do mix da PRE.

A energia eólica representou 52% da produção física da PRE e 46% do seu custo.

Como "benchmark", reparemos no desempenho da EDPR(3) em 2013 nos mercados eólicos. As receitas médias unitárias (em €/MWh) foram de 99,3 em Portugal, 86,7 no resto da Europa e de 48,1 nos EUA. O rácio EBIT/Receitas é, respectivamente, de 65%, 38% e de 26%. Elucidativo!

O mercado da produção

Ainda em 2013, o mercado eléctrico terá fornecido 45 TWh a clientes, com um consumo referido à emissão de 49 TWh. Este consumo foi satisfeito pela produção de PRE, CMEC(4) e CAE(5) que representam, respectivamente, 22, 18 e 4 TWh, num total de 44 TWh. Para além do preço médio das tarifas da PRE atrás indicada, a produção CMEC e CAE, beneficiando de contratos pré-liberalização, terá tido custos acima dos 80 e 90 €/MWh, respectivamente. O mercado liberalizado com um preço médio de 44 €/MWh, forneceu somente a quantidade residual de 5 TWh (10%).
O mercado grossista da produção é caro e escandalosamente protegido!

O canto das sereias e a realidade

O coro das vozes alinhadas com as renováveis e o seu reforço apresenta, no essencial, os seguintes argumentos:

  • A aposta de Portugal nas renováveis melhora a nossa balança comercial e evita importações de combustíveis fósseis. Portugal começou a enfrentar o problema crónico da dependência energética nacional;

  • O facto de 60% da electricidade consumida ser de origem renovável possibilita estabilizar o preço deste bem. Basta fazer as contas: as renováveis contribuem para uma descida dos preços da energia;

  • A aposta nas renováveis levou à criação em Portugal de um novo "cluster" industrial de elevado valor tecnológico, que gerou emprego qualificado e rapidamente se afirmou no quadro das nossas exportações.

Na verdade,

  • As renováveis são investimentos de capital intensivo, dominado por investidores externos, têm custos variáveis de exploração muito baixos e actuam num mercado de bens não transaccionáveis e demasiado protegido. O benefício na nossa balança comercial, será praticamente neutralizado a nível da balança de rendimentos. A economia é seriamente prejudicada;

  • Como atrás se referiu, a energia exposta ao preço concorrencial de mercado é cerca de 10% das nossas necessidades. Se compararmos a evolução dos preços ao longo de 2013 no Mibel e no mercado alemão, a energia foi mais barata 6 €/MWh na Alemanha e os preços mais estáveis que no Mibel. A concorrência explicará o preço; o excesso de capacidade instalada existente na ilha energética que é a Ibéria explica a volatilidade.

O mix energético há muito que está desequilibrado induzindo custos de ineficiência com capacidade instalada ociosa, baixando a segurança de abastecimento ao desalojar o gás natural da produção e a malbaratar o esforço da descarbonização da economia mantendo a utilização do carvão. O sobrecusto das renováveis tem vindo a aumentar significativamente todos os anos. Os custos indirectos também(6). Os excessos estão à vista!

  • Infelizmente, o "cluster" industrial não tem expressão exportadora, nem capacidade tecnológica de aerogeração(7). No índice RECAI(8), Portugal aparece classificado em 17.º lugar sendo o critério tecnologia o mais fraco.

Portugal é já hoje(9), com grande folga, o campeão mundial da capacidade eólica instalada por unidade de PIB, para além de ser também o terceiro "per capita". Percebe-se porquê. E também as consequências?

A descarbonização da economia

"Como é evidente, todos desejamos substituir os combustíveis fósseis por energias renováveis. A palavra-chave é descarbonizar a economia e fazê-la crescer em simultâneo...

Não é tecnológica nem economicamente possível substituir em poucas décadas os combustíveis fósseis por energias renováveis, devido à escala em que teria de ser feita. Também não é eticamente defensável condenar milhões de seres humanos ao subdesenvolvimento e à fome enquanto a descarbonização da economia global não se concretiza...

Mudar radicalmente uma cultura, um modelo económico, um estilo de vida, leva gerações. É por isso que o discurso moralista contra os combustíveis fósseis se torna patético na sua vacuidade e impotência, quando não exprime, implícita ou explicitamente, o apelo a soluções totalitárias de criação, à força, de um homem novo..."(10)

Numa sondagem recentemente solicitada pela DG CLIMA(11), pede-se aos cidadãos da EU28 que identifiquem, de entre 8 problemas, aquele que consideram ser o da maior relevância para a humanidade. Dos portugueses, 49% elegeram a pobreza e a fome, 27% a situação económica e 6% as alterações climáticas. Portugal é o país mais preocupado com a pobreza e a fome e o menos com as alterações climáticas.

Portugal precisa de um Governo que saiba interpretar o sentir da população!


(1) Renováveis - Estatísticas rápidas - Dez13 - N.º106 - DGEG
(2) Informação sobre PRE - Dados actualizados a Nov13 - ERSE
(3) Resultados 2013 - EDP Renováveis
(4) Tarifas e Preços para a EE em 2013 - Dez12 - ERSE
(5) Ajustamentos … a repercutir nas Tarifas de 2014 - Dez13 - ERSE
(6) As Eólicas e o Monstro Eléctrico - Luís Mira Amaral - Expresso de 8Mar14
(7) Industria Nacional de Aerogeradores - Pinto de Sá - Revista Industria e Ambiente Nº83
(8) RECAI Renewable energy country attractiveness índex - Issue 39 - Nov13
(9) Wind Energy Facts - Clean Technica
(10) Os equívocos sobre as alterações climáticas - José Delgado Domingos - Janus 2013
(11) Climate Change - Special Eurobarometer 409 - Mar14


Cidadão e ex-Secretário de Estado da Energia"