quarta-feira, 28 de maio de 2014

António Costa avança para a liderança do PS — II


Quando avançou ontem para a liderança do PS, António Costa sabia que precisava de um congresso.
E também sabia que o congresso só reúne de forma extraordinária se o secretário-geral, ou uma maioria de 2/3 da Comissão Nacional, ou a maioria das Federações, que representem também 50% dos membros inscritos no PS, aceitar convocá-lo.

Costa não é um principiante nos corredores da política. Gaba-se de ter entrado para a juventude socialista aos 14 anos. Foi deputado aos 30 anos, ministro dos Assuntos Parlamentares (1997-99) e ministro da Justiça (1999-2002) nos governos Guterres e era ministro de Estado e da Administração Interna (2005-2007) do primeiro governo Sócrates quando abandonou o mandato para se candidatar às eleições autárquicas intercalares da Câmara Municipal de Lisboa.

Obviamente que, antes de avançar, teria feito e recebido contactos. Bem comprovado pelo facto de que, logo que mostrou disponibilidade para liderar o PS, ter começado o coro de apoios socratistas e soaristas:
O país precisa de um governo liderado pelo PS e de um governo com uma larga maioria. Isso só será possível com uma nova liderança e uma nova estratégia mobilizadora”, dizia Pedro Nuno Santos, deputado, presidente da distrital socialista de Aveiro e habitual caixa de ressonância das declarações que Sócrates proferia em Paris.
"O anúncio de António Costa demonstra grande coragem política e um grande sentido de responsabilidade perante o país e perante o PS", enfatizava a ex-eurodeputada Edite Estrela.
O PS precisa de mudar, chegou a hora”, escrevia no Facebook o deputado, economista e filósofo político João Galamba.
"António Costa vai trazer um debate intenso, de esperança, que vai trazer uma alternativa consistente e ganhadora", corroborava José Lello, deputado há mais de 30 anos.
"Se António Costa se apresenta disponível, Seguro tem de convocar um congresso extraordinário", sentenciava Vítor Ramalho, ex-deputado e consultor (1985-1995) da Casa Civil de Mário Soares que deu a cara pela velha raposa.

Mas o panegírico mais extenso foi debitado por Manuel Pizarro, presidente da concelhia socialista do Porto:
O doutor António Costa mostrou na governação municipal de Lisboa que é capaz de liderar um projecto de modernidade que agrupa largos sectores do centro esquerda e da esquerda, que são indispensáveis para que o PS possa vencer e, sobretudo, para que possa construir uma alternativa de desenvolvimento e de solidariedade de que os portugueses tanto necessitam”.
“[A decisão de António Costa] revela uma grande coragem e uma grande determinação. Não tenho nenhuma dúvida de que muitos milhares de portugueses vão acompanhar este processo com esperança no futuro que é aquilo que mais falta faz hoje”.

Aliás este antecipou a estratégia que ia ser seguida na conquista do poder. Introduzido nos estatutos do partido, aquando da última revisão, o bloqueio da disputa de cargos de direcção associou a eleição para os órgãos nacionais internos às eleições legislativas; Pizarro, porém, opinava: “As razões de natureza política e a preocupação com o futuro do país têm de prevalecer sobre as motivações de natureza aparelhística. Seria a primeira vez que na história do PS, em circunstância de gravidade similar a esta, seria vedado aos militantes a oportunidade de se pronunciarem sobre o futuro do partido, sendo certo que nestas circunstâncias mais ainda do que o futuro do PS está em causa um projecto para Portugal”.

Mas António Seguro também entrou cedo para a juventude socialista e a vida passada na política deu-lhe tarimba. A resposta rápida dos seus apoiantes ao avanço dos socratistas e soaristas mostra que, não só se havia apercebido das movimentações destes, como também se foi apoderando silenciosamente do aparelho do PS ao longo dos últimos três anos.

Maria de Belém, presidente do partido, foi a primeira a anunciar a decisão: "De acordo com os estatutos está muito claro como é que pode ser feito um congresso extraordinário".
O secretário nacional e deputado António Galamba afirmou, de imediato, que a actual liderança não ia convocar um congresso extraordinário. “Quem quer que se realize um congresso extraordinário vai ter de cumprir as regras que estão nos Estatutos”, acrescentou.
Álvaro Beleza, outro membro do secretariado nacional, além de invocar os estatutos, defendeu que as “convicções da actual direcção sobre o futuro passa pelo código de ética na política, pela reforma do sistema eleitoral com a introdução de círculos uninominais e trabalhar para fazer do PS o líder da esquerda”.

E ao longo da tarde de ontem, os apoios dos líderes das federações distritais do PS foram chegando cadenciados à agência Lusa. Évora, Beja, Viana do Castelo, Porto, Oeste, Santarém, Braga, Setúbal, Coimbra, Bragança, Madeira. Um após outro, todos foram mostrando perplexidade face à atitude assumida por António Costa ao candidatar-se à liderança do PS. Das 21 federações, apenas Aveiro, Vila Real e Lisboa declararam apoio a Costa.

Hoje sobreveio a segunda vaga de apoios.

Francisco Assis, o cabeça de lista socialista às eleições europeias e também membro do secretariado veio apoiar Seguro. “É um movimento fora de tempo”, reagiu o também secretário nacional Eurico Dias.

Por Costa deram a cara o deputado e ex-líder do partido Ferro Rodrigues e o deputado Jorge Lacão que foi ministro dos Assuntos Parlamentares de José Sócrates e era um dos três secretários nacionais eleitos pela quota de António Costa e que pediu a demissão do cargo. Ao fim da tarde, foi a vez de Susana Amador, a segunda secretária nacional dessa quota, pedir a demissão e a deputada Idália Serrão, a terceira, vai esperar por sábado, dia da reunião da comissão nacional do PS agendada por António José Seguro ainda antes das eleições europeias.





Portanto neste sábado, no Vimeiro, os socialistas vão contar as espingardas dos dois lados da contenda depois da declaração de guerra de Costa. Este diz que vai tentar obter o apoio de, pelo menos, 2/3 dos elementos da comissão nacional, o órgão máximo do partido entre congressos.

Se não conseguir poderá ainda tentar virar as concelhias socialistas contra os presidentes das distritais o que vai levar tempo.

Não é essa, porém, a estratégia que vai ser adoptada por António Costa e pelos socratistas. O que eles querem é forçar a convocação do congresso extraordinário pelo próprio secretário-geral.

Para isso já tinham contratado Alexandre Krausz, um consultor de comunicação social, para montar a rede de propaganda política Capacitar Portugal António Costa 2015, no Twitter e no Facebook, rede essa que apareceu à luz da noite das eleições europeias. Obviamente que Krausz, assessor de Jorge Lacão, Pedro Silva Pereira e do próprio primeiro-ministro no primeiro governo de José Sócrates, romanceia a história.





Nessa página do Facebook está publicitada uma petição online que reivindica a realização de eleições internas no PS. Intitulada “Requerimento aberto dirigido a todos os órgãos dirigentes do PS”, o autor — o militante Manuel José Pereira, n.º 74067, Baião, no Porto —, sem nunca nomear António Costa ou António Seguro, defende também a realização de assembleias gerais e plenários das estruturas locais e concelhios, para análise da “situação política nacional e europeia e proceder à convocatória de congressos extraordinários federativos”. Foi lançada poucas horas depois de António Costa manifestar a sua disponibilidade para liderar os socialistas, também, claro, por mero acaso...

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Não apreciamos António Seguro. É um jotinha, não tem grande mérito intelectual — começou a estudar Gestão de Empresas no ISCTE e depois mudou para Relações Internacionais na universidade Autónoma de Lisboa, um curso mais fácil —, nunca teve uma profissão, engrandeceu o anedotário nacional, tem feito promessas falaciosas de eliminar os cortes nas pensões sem aumentar impostos e defende eleições antecipadas para o País enquanto recusa eleições antecipadas dentro do PS, o que é uma incoerência.

Mas os socratistas também nunca tiveram uma actividade profissional, governaram o País durante seis anos na base da propaganda, distribuíram diplomas escolares que aumentaram a auto-estima das pessoas mas não as beneficiaram profissionalmente e concederam subsídios, a torto e a direito, entre os seus apaniguados.
A pior atitude, porém, foi terem deixado subir os juros da dívida pública, ao longo de 2010, até chegar aos 6,7%, e atiraram os encargos para cima das costas dos funcionários públicos, impondo profundos cortes nos salários, em Janeiro de 2011, com o PEC 3, que seriam extensivos às pensões, em 2012, com o PEC 4.
O rating da República caiu para “lixo” e, concomitantemente, o dos bancos e das empresas que foram obrigados a contrair empréstimos com juros mais elevados, prejudicando accionistas e despedindo trabalhadores.
Agora que os juros estão em pouco mais de 3% aprontam-se para regressar ao poder. Em português vernáculo, isto chama-se pulhice.

Como é que os militantes socialistas vão olhar para as duas facções que se vão digladiar pela liderança do PS?
Vão comparar o que arrecadaram nos seis anos dos governos socialistas de José Sócrates com o que perderam nos últimos três e deixar o coração tombar para o lado mais pesado do prato da balança que é fácil de adivinhar qual será.

Mas os outros, a imensa massa de portugueses que vivem do seu trabalho e não estão à espera de empregos ou benesses dos partidos?
O eleitorado não é muito qualificado. Dizer à maioria dos portugueses que os 78 mil milhões de euros que o País tinha de pedir emprestado nos últimos três anos, para rolar a dívida pública, vai aumentar anualmente essa dívida em mais de 5,2 mil milhões se a taxa de juro for 6,7%, mas se for apenas 3% só aumenta em 2,3 mil milhões, tem o mesmo impacto que recitar-lhes uma poesia em chinês.

O que a maioria do eleitorado português adora ouvir são os políticos que fazem um discurso idêntico ao eles, ou seja, diatribes contra o governo em funções, e depois lhes prometem que vão governar para as pessoas e dar-lhes mundos e fundos. Não foi este o discurso de Marinho e Pinto que mimoseou com 7,1% de votos, nas recentíssimas eleições europeias, um partido que nem sequer tinha conseguido atingir 1% antes?

Quanto ao Governo, como é de esperar, agradece a todos os santos esta dádiva do céu que vem enevoar a derrota que o eleitorado infligiu à coligação PSD-CDS nas eleições europeias. Está a desfrutar esta rara oportunidade de descanso enquanto o maior partido da oposição se envolve numa guerra interna.
E sempre vai aproveitando para lançar uma farpa aos socialistas: lembrando que a autarquia lisboeta foi abandonada pelo seu presidente, pede eleições antecipadas... para a câmara municipal de Lisboa.


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