domingo, 4 de maio de 2014

Declaração do primeiro-ministro sobre o fim do Programa de Assistência Económica e Financeira


Três anos depois, com aprovações nos 12 exames da troika, Portugal sai do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro (PAEF), em 17 de Maio, e avança para os mercados financeiros sem um programa cautelar.
A decisão foi anunciada este domingo por Passos Coelho, numa comunicação ao País com pompa e circunstância na presença de todos os ministros:


04 Mai, 2014, 20:37


"Há poucos dias o País inteiro celebrou os 40 anos do 25 de Abril e da nossa democracia. O que o povo português alcançou há 40 anos mudou o País e ressoou por todo o mundo.

Há 40 anos os Portugueses rejeitaram a ditadura e a injustiça, e uniram-se para construir uma sociedade europeia ocidental. Com uma democracia pluralista e representativa. Aberta ao mundo, com um Estado social e uma economia social de mercado. Foi essa a escolha que mobilizou o País e mudou para sempre a nossa história.

Eu pertenço à primeira geração de Portugueses que pôde crescer em liberdade. Foi um privilégio podermos crescer e construir os nossos horizontes pessoais na casa da liberdade que nos foi dada. Por essa mesma razão, estamos entre os mais gratos de todos os Portugueses pelo legado do 25 de Abril.

Este nosso caminho colectivo como País misturou-se com a nossa adesão à Europa. Para a esmagadora maioria dos Portugueses, a Europa foi sempre o modo de garantir o projecto colectivo afirmado no 25 de Abril. O isolamento no espaço europeu seria na prática a impossibilidade de o realizar.

Ao longo destes 40 anos atravessámos vários momentos em que este caminho poderia ter sido posto em causa. E respondemos sempre com coerência e com coragem.

Entrámos na Comunidade Económica Europeia em 1986, mas, se não tivéssemos levado a bom porto o Programa de assistência externa entre 83 e 85, não o teríamos conseguido.

Em 2011, o País viu-se a braços com a perspectiva ainda mais grave de uma bancarrota. E foi confrontado com as consequências prováveis de um impasse: um Estado sem financiamento, a saída do euro e o fim do nosso projecto europeu.

Não o podíamos permitir e não o permitimos.

Foi para salvar o projecto político consensual e mobilizador destas quatro décadas — o projecto de uma democracia europeia, com um Estado social forte e uma economia social de mercado próspera — que executámos um programa tão exigente e tão duro como este que agora estamos prestes a concluir.

O colapso que o País sofreu em 2011 foi tão grave que tivemos de tomar decisões muito difíceis.

Não foi este Governo que provocou e depois pediu o resgate financeiro. Mas foi a nós que coube a responsabilidade de executar o Programa que permitiu pôr o País de pé outra vez.

Tivemos de agir rapidamente para minimizar a recessão, estancar a dívida, preservar o Estado social e preparar o crescimento da economia. Foi um período de verdadeira emergência nacional.

As famílias portuguesas sentiram duramente as consequências da crise.

Os desempregados que enfrentaram a ausência de perspectivas de trabalho, os pensionistas que viram as suas pensões cortadas, os funcionários públicos que sentiram a redução dos salários e o congelamento das progressões, os trabalhadores do sector privado que enfrentaram a instabilidade e a incerteza, os jovens que perderam a confiança no futuro, todos os Portugueses sofreram os efeitos dolorosos de uma crise que poderia, e deveria, ter sido evitada.

Foram tempos muito difíceis.

Eu sei que as dificuldades persistem para muitas famílias. E também sei que o crescimento que regressou à economia no último ano ainda não se traduziu em melhorias no dia-a-dia de muita gente. Mas hoje é claro que os sacrifícios feitos não foram um fim em si mesmos e que podemos agora alcançar os resultados que ambicionamos.

Sei que os Portugueses querem ver concretizados esses resultados, com mais e melhores empregos, com a recuperação das pensões e salários que foram cortados, com o alívio dos impostos que foram aumentados, com mais oportunidades para os nossos jovens, com o regresso dos que emigraram involuntariamente.

O nosso trabalho diário, e o nosso objectivo, é garantir que os resultados chegarão a todos tão rapidamente quanto possível. Estamos no caminho certo e o País está a recuperar com bases mais sólidas e sustentáveis do que tínhamos no passado.

Três anos depois, estamos a poucos dias de terminar o Programa de Assistência. O 17 de Maio de 2014 ficará na nossa história como um dia de homenagem a todos os Portugueses, porque sem o esforço de todos não teria sido possível chegar até aqui.

Não será o dia nem do Governo, nem de nenhum partido político. O dia 17 de Maio será o vosso dia. Será o dia de homenagem a cada um de vós, o dia em que a nossa liberdade de decisão foi reconquistada por cada um de vós.

Todos os Portugueses estão de parabéns.

Durante todo o período do resgate financeiro nunca deixámos de nos sentir como membros plenos da União Europeia e do Euro. Pela forma como lidámos com as circunstâncias difíceis, recuperámos credibilidade para nos afirmarmos no concerto europeu com dignidade e responsabilidade.

Mas é inequívoco que, com a reconquista da nossa autonomia, Portugal poderá uma vez mais exercer sem constrangimentos o seu lugar em pé de igualdade com todos os outros Estados-membros. Com as mesmas obrigações e com as mesmas oportunidades, com os mesmos direitos e com as mesmas responsabilidades. Mas com uma voz muito mais credível e respeitada.

Hoje, em Conselho de Ministros, o Governo decidiu que sairemos do Programa de Assistência sem recorrer a qualquer programa cautelar.

Depois de uma profunda ponderação de todos os prós e contras, concluímos que esta é a escolha certa na altura certa. É a escolha que defende mais eficazmente os interesses de Portugal e dos Portugueses e que melhor corresponde às suas justas expectativas.

Podemos fazer agora esta escolha porque, tal como consta na declaração final emitida na sequência da última avaliação da Troika, o Programa está no bom caminho para o seu termo e colocou a economia portuguesa no caminho da solidez das finanças públicas, da estabilidade financeira e da competitividade.

Fazemos esta escolha, portanto, porque a estratégia de regresso aos mercados foi bem-sucedida, porque fizemos enormes progressos na consolidação orçamental e porque recuperámos a nossa credibilidade.

A nossa escolha está alicerçada no apoio dos nossos parceiros europeus, que de forma inequívoca o manifestaram fosse qual fosse a opção que viéssemos a tomar.

O que os Portugueses conseguiram nestes últimos três anos converteu-se num grande voto de confiança por parte dos nossos parceiros. Sabemos que podemos contar com eles nesta nova fase da nossa história, como contámos até agora com todas as instituições e em particular com a Comissão Europeia.

E eles sabem que podem confiar em nós.

Temos reservas financeiras para um ano, que nos protegem de qualquer perturbação externa.
Temos a confiança dos investidores e os juros da nossa dívida estão em níveis historicamente muito baixos.
Temos excedentes externos como não acontecia há décadas.

E manteremos o rigor orçamental, porque essa é a firme vontade do Governo e da maioria parlamentar que o suporta.

Além disso, beneficiamos de um contexto de maior segurança e confiança no plano da União Europeia. Hoje, na Europa, há mecanismos e garantias mais fortes para responder às crises sistémicas e para preveni-las. Há mais coordenação económica e estamos já a construir, com grande empenho de Portugal, a União Bancária.

Sei que os Portugueses saberão sempre responder de forma clara e inequívoca a quaisquer percepções externas negativas relacionadas com eventuais riscos internos, nomeadamente de natureza legal ou política.

Quando em 2011, o Programa de Assistência foi negociado, o Governo de então pôde beneficiar do apoio dos principais partidos da oposição, apesar das nossas discordâncias. Fizemo-lo porque compreendemos o quanto isso era fundamental para preservar o consenso nacional.

Infelizmente, quando foi preciso cumprir o Programa, um apoio idêntico não existiu.
A falta de compromisso político acentuou ainda mais a incerteza e as dificuldades, obrigando, por vezes, à alteração de medidas e das correspondentes expectativas das pessoas. Foi a determinação extraordinária dos Portugueses – e, é justo dizê-lo, de muitos parceiros sociais – que nos permitiu superar todos os obstáculos.

E é minha profunda convicção que os Portugueses continuarão a ser o melhor garante do consenso nacional que dará força à nossa recuperação.

Podemos, assim, estar tranquilos. Esta é a decisão certa.

Todos sabemos que ainda temos um longo caminho para percorrer e que não é de um dia para o outro que gozaremos de todos os benefícios de sermos autónomos outra vez. Mas é um caminho que faremos com confiança, com a credibilidade que fomos conquistando junto dos nossos parceiros, e com a esperança no futuro que há muito não conhecíamos.

Por tudo isto, quero dizer-vos que esta não é a hora para voltar atrás. O que já conseguimos custou muito, e não seria aceitável deitar tudo a perder.
Estamos no caminho certo para nunca mais permitir que Portugal passe por um outro colapso, um outro resgate, uma outra emergência nacional.

Estamos no caminho certo para construir a sociedade a que os Portugueses aspiram e merecem.

Mas estamos também no caminho certo para poder agora começar a sarar as feridas que foram abertas nos momentos mais difíceis da emergência nacional.

É meu compromisso convosco que não voltaremos à política da estagnação e da irresponsabilidade que nos empurrou para o precipício.
Que a recuperação do emprego e da economia está no centro das prioridades do Governo.
E que continuaremos a liderar um processo de mudança reformista para trazer a prosperidade, para corrigir as injustiças e as desigualdades e para democratizar a sociedade e a economia.

Precisamos da mesma determinação e do mesmo realismo de que demos provas durante estes três anos.

Olhamos agora para a frente com uma esperança renovada, sem os receios e as incertezas dos últimos anos.

Depois do que juntos conseguimos, não há nada que juntos não possamos alcançar.

Muito obrigado."



Autor: Miguel Baltazar/Negócios


Sem comentários:

Enviar um comentário