sábado, 31 de maio de 2014

Habituem-se, porque isto mudou


Este sábado de manhã, na reunião da comissão nacional do PS, no Vimeiro, aconteceu algo de inesperado. Os barões do PS estavam à espera que lhes fosse oferecido o partido numa bandeja, mas enganaram-se.


31 Mai, 2014, 21:51


Numa intervenção de 40 minutos, António José Seguro começou por fazer a análise dos resultados eleitorais das europeias. Num estilo audaz, com alguns laivos de ironia, começou por reafirmar as suas declarações de domingo: "O PS ganhou as eleições. Repito para que ninguém tenha dúvidas."

Depois analisou o contexto político dos últimos três anos sem rodeios. Desde José Sócrates que "iniciou as doses de austeridade", em 2011, aos partidos da esquerda radical que "consideram que [o PS] é o terceiro partido da troika", passando pela "Comissão Europeia, BCE e FMI [onde] alinharam todos no discurso favorável ao Governo". Tudo isso realça o significado da vitória do PS.

Por último, vieram as farpas para Costa. Directamente, medindo os resultados eleitorais de ambos:: "[A percentagem obtida agora nas europeias foi] muito acima do que tu, António Costa, tiveste na primeira eleição para a CML. Ficaste abaixo dos 30%."
"Acham isto pouco? Acham que isto é uma vitoriazeca? António Vitorino sabem por quanto é que ganhou? 0,5%. Só que na altura havia solidariedade dentro do PS."
As palmas dos membros da comissão nacional sublinhavam a concordância com a análise de António José Seguro.

Com a assistência ao rubro, Seguro recordava que nunca assinou ou sequer negociou o memorando da troika e que conseguiu "limitar o crescimento da esquerda": "O PCP, o BE e o Livre não ultrapassaram os 20%. O PS andou bem em relação ao eleitorado da esquerda."

Mas, para Seguro, "o melhor indicador não vem das eleições". Vem do avanço para a liderança de António Costa: "A disponibilidade que manifestou na terça-feira não a manifestou há três anos, quando o PS tinha 28% dos votos."

A seguir, Seguro passou para o campo das propostas. O que faltou foi "congregar os votos de descontentamento em relação ao sistema político e ao sistema partidário. Os votos brancos e em Marinho e Pinto atingiram 15%", lembrou Seguro.

É para estes que propõe a reforma do sistema político. É para os "desiludidos e os desencantados" com a política que apresenta a reforma da lei eleitoral, com a "redução do número de deputados para 180" e a possibilidade de votação em listas abertas, em que os eleitores podem escolher um candidato fora da ordenação das listas.
"Vamos abrir o sistema político", disse Seguro, com estas medidas que tenciona apresentar até 15 de Setembro. Como se sabe, terão a oposição do CDS e do BE porque diminui a expressão dos partidos mais pequenos, aliás o CDS era conhecido como o partido do taxi quando tinha apenas quatro deputados. Além de que os aparelhos partidários deixam de controlar os lugares elegíveis nas listas.

Seguro quer também aumentar as "incompatibilidades dos deputados, mas também de outros cargos públicos" e levar a cabo uma "separação nítida entre política e negócios", prometendo estudar uma forma de impedir que os deputados possam acumular com a advocacia.
Mais uma medida que vai mexer com os interesses instalados e terá uma tremenda oposição do PSD e do CDS. Seguro sabe-o, mas garantiu: "Irei até ao fim".

"O PS tem dois grandes adversários políticos. Um deles é a coligação PSD-CDS, que já vencemos. O outro é a indiferença e até a repulsa em relação ao sistema político", reforçou. Cilindrados, alguns apoiantes de Costa titubeavam que este era um discurso "demagógico e populista".

Imparável, Seguro continuou, salientando agora o problema interno: "[Apesar das vitórias do PS,] o Governo está descansadinho, calminho. O PS ensarilhou-se durante uma semana. Passou para a opinião pública que foram os derrotados."
E, olhando para o presidente da Câmara de Lisboa: "Já disse ao António Costa e volto a dizer-lhe olhos nos olhos: foi uma irresponsabilidade provocada por ti."

"Podíamos estar hoje aqui a comemorar a nossa vitória", lamentou o secretário-geral. "Estive uma semana em silêncio para defender o PS. Mas chegou a altura de me defender e dizer tudo o que penso."
E deu uma analogia: "Imaginem que sou um munícipe de Lisboa. Estou descontente com a recolha do lixo em Lisboa. Se não te importas, marcamos uma reunião para tu te demitires e marcarmos eleições. Mas depois concorremos os dois", provocando a risada na sala.

"No ano passado disse: 'Vamos a jogo.' O António Costa teve duas possibilidades. Teríamos com certeza tido uma disputa normal, entre camaradas. O ano passado, quando percebi que havia um movimento — visível, porque houve sempre um movimento oculto —, antecipei o meu mandato. Fiquei conhecido por 'qual é a pressa?'", continuou Seguro.
Agora é diferente: "Não me demito de secretário-geral do PS. Na minha consciência não encontro uma razão para me demitir", declarou António José Seguro, levando a sala à apoteose.

Mas há o avanço de Costa: "Não ignoro que temos um problema. Já não é só um problema interno. Agiríamos mal se não enfrentássemos esse problema".
Daí a "sugestão política inovadora", inspirada numa ideia de Francisco Assis e Álvaro Beleza, e que está em vigor nos Estados Unidos, em França no PS francês e, em Portugal, no Livre: eleições primárias.

Esta promessa "Abrir aos eleitores do PS a escolha do candidato do PS a primeiro-ministro" é para concretizar de imediato:
"Convocarei a comissão política para a semana, quer para marcar os congressos federativos, quer para iniciar este processo, novo para o PS. Àqueles que durante a semana disseram: 'O Seguro não quer o congresso porque tem medo', aqui respondo. Não tenho medo e não me escondo."

*

A reunião da comissão nacional mostrou um António Costa bloqueado na ideia do congresso extraordinário, sem capacidade de sequer enfrentar uma mudança, quanto mais de propô-la.
Atordoado com a intervenção de António José Seguro e incapaz de entender o que se está a passar na Europa — a França e a Alemanha enveredaram por eleições primárias para reforçar a democracia —, andou a recolher assinaturas (75 entre os 297 presentes) para a comissão nacional reunir, de novo, daqui a quinze dias, para pedir a convocação do congresso.
Entrada de leão e saída de sendeiro.

Costa e apoiantes revelaram-se um grupo de políticos apostados na conquista do poder para usufruto do poder, acérrimos defensores dos interesses instalados na sociedade portuguesa e sem uma ideia para mudar o caduco sistema eleitoral português. Como é que esta gente quer mudar o País?


31 Mai, 2014, 20:50


Ontem Marinho e Pinto interpretava a atitude do grupo de Costa, a quem chamava os barões do PS, como motivada pelo receio de que Seguro seja primeiro-ministro em 2015, deixando-os afastados do poder durante os anos seguintes.

Na verdade, António José Seguro passou os seis anos do consulado de José Sócrates marginalizado na última fila do parlamento. Era a pessoa ideal para dirigir o PS durante o governo da coligação PSD-CDS porque ia permitir aos eleitores esquecerem os erros e crimes de gestão cometidos pelos socratistas.

Agora, a cerca de um ano das legislativas, os barões do PS vinham reclamar o poder dentro do partido, com um discurso vazio de ideias, mas cheio de palavras sonoras como esperança, projecto e mudança.
Depois, apoiados numa tremenda máquina de propaganda, já a funcionar no terreno, tencionavam convencer o incauto eleitorado português a restituir-lhes o poder.

Esqueceram um pequeno pormenor: eles não mudaram, mas estes três anos de sacrifícios mudaram o País.

*

Reparem nestes comentários à notícia no Público:

vitor pereira
31/05/2014 16:39
O sr. seguro não pode andar a fazer comparações com eleições atrasadas para camara,quando as circunstancias eram outras. Você não tem nível nem categoria para levar o PS a ganhar as legislativas com maioria! Tem muito paleio, parece um "papagaio" até parece a cassete do PCP... O António Costa tem catagoria para ganharmos!
  • Horácio Barata
    31/05/2014 16:56
    Não sou militante nem simpatizante do PS, mas acho que António Seguro tem razão! O que está a provocar esta agitação dentro do PS é a "irmandade socrática" que quer voltar ao poder dentro do PS e se possível voltar ao poder para acabar com o resto.

tripeiro
31/05/2014 16:50
Oh homem, não sejas cobarde nem aldrabão! Ninguém disse para te demitires, apenas te lançaram um desafio para uma disputa eleitoral!
  • ContraCorrente
    31/05/2014 17:05
    Meu caro amigo tripeiro, o Secretário-Geral do PS avançou com uma disputa eleitoral onde todos podem escolher o candidato a Primeiro-Ministro. Até os abstencionistas e os que votaram nulo ou branco poderão escolher o candidato do PS a Primeiro-Ministro de Portugal.
    E vai apresentar iniciativa legislativa para permitir que o eleitorado possa votar no nome da pessoa que querem ver como seu deputado.
    Isto são propostas que têm em conta a voz do povo que com o seu silêncio gritou bem alto, mas António Costa ouve pelos ouvidos já surdos do velho cacique da Fundação Mário Soares.
    Seguro foi sensato, determinado, inovador, corajoso, enquanto que Costa só quer usurpar o lugar que Seguro conquistou e dignificou com umas boas vitórias eleitorais apesar do contrapeso da herança Socratista.

Jose
31/05/2014 19:19
Pela primeira vez aparece uma proposta que abre aos portugueses o poder que os partidos institucionais vêm mantendo, com resultados desastrosos e o afastamento dos eleitores dos eleitos. António José Seguro é o primeiro líder a procurar entender a realidade e propor uma solução. Realmente o PS comprometido mais com a velha elite e com as políticas da Troika não terá sucesso.
Nas próximas eleições a configuração da AR vai mudar muito. Com o MPT ao centro e o Livre à esquerda do PS e o PSD/CDS mais pequeno, a governabilidade vai carecer de muito jogo de cintura e alianças nunca vistas.
Esta proposta de António José Seguro a abrir o seu compromisso com os portugueses do PS, ou não, pode posicioná-lo para as soluções descomprometidas da ideia antiga, e agora impossível, "PS sozinho". Visão política?

Alfredo Simões
31/05/2014 22:04
Talvez o secretário-geral do PS António José Seguro não tenha conseguido mostrar liderança suficiente, talvez tenha andado a repetir uma cassete com pouco crédito para os decepcionados com os políticos, mas a atitude de António Costa não é limpa e também não inspira confiança em quem espera ver pessoas honradas à frente dos desígnios do nosso país.

Luis Neves
31/05/2014 23:20
Não vejo que o resultado do PS em relação ao PSD tivesse sido mau. Não pensem que os 66,6% dos que não votaram são votos do PS ou do PSD. Os 66,6% são do maior partido português.
Justamente do partido que defende o nosso país, que questiona as razões de não ter havido um referendo à entrada na Europa, que se interroga sobre as negociações com a Europa, que olha para a Europa pensando "Que futuro a Europa dará?", que se interroga porque razão os casos que envolvem políticos levam 10 anos a serem investigados e outros são arquivados...
Meus caros senhores da política: não há só uma razão. Há várias e será bom que, desta vez, não entrem no faz de conta.


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