quarta-feira, 11 de junho de 2014

Laboratórios doaram 28 milhões de euros, profissionais de saúde só declararam 8 milhões


De Janeiro até 9 de Junho, a indústria farmacêutica concedeu apoios e subsídios no valor de mais de 28,6 milhões de euros a profissionais e organizações do sector da saúde, mas estes comunicaram que neste período receberam apenas 8,4 milhões de euros dos laboratórios.

A Interrelate, uma empresa especializada no processamento de dados, analisou a informação disponibilizada na plataforma informática da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) criado para divulgar os apoios da indústria farmacêutica a profissionais e organizações do sector, associações de doentes e sociedades médicas incluídas.

No início desta semana, o sistema albergava quase 35.000 declarações de doações, mas apenas pouco mais de 5400 comunicações de recebimentos. A discrepância entre os valores declarados pela indústria farmacêutica e os declarados pelos profissionais e entidades do sector da saúde no portal era já superior a 20 milhões de euros.
Embora haja um prazo de trinta dias para efectuar as declarações, os montantes declarados em mais de cinco meses deveriam ser aproximados.

Em vigor desde Fevereiro de 2013, a lei que tornou obrigatórias as declarações dos apoios superiores a 25 euros concedidos pelos laboratórios farmacêuticos a todos os intervenientes no circuito do medicamento está, obviamente, a ser ignorada pela maioria das entidades e profissionais de saúde.

A Ordem dos Médicos prepara-se para publicar um parecer do seu departamento jurídico que esclarece os clínicos sobre o dever de notificar o Infarmed de tudo o que recebem acima dos 25 euros.
Isto não faz sentido, é uma burocracia”, acrescenta, porém, o bastonário José Manuel Silva, que considera suficiente apenas a indústria farmacêutica declarar os donativos.
A indústria tem um secretariado para tratar disto, agora os médicos por vezes esquecem-se, têm muito que fazer, não é por mal e muitos deixaram de notificar porque pensam que não faz sentido”, alega.

Questionado se tinha conhecimento do desfasamento dos valores concedidos e recebidos, qual a justificação para este diferencial e se tinha havido, entretanto, algum tipo de punição para os eventuais infractores, como está previsto na lei, o Infarmed garantiu apenas que “tem vindo a monitorizar esta ferramenta, prosseguindo com as alterações necessárias com vista à melhoria do seu funcionamento”.

Segundo os investigadores da Interrelate, a plataforma informática é muito rudimentar. Só para consultar os milhares de declarações de 2014 foram necessárias 36,5 horas de trabalho, sendo muito complicado para um leigo efectuar qualquer tipo de pesquisa nesta plataforma. Além disso, a memória é excessiva, impedindo o portal de ser usado em muitos portáteis.
Inquirido sobre a disponibilidade para aperfeiçoar o portal, o Infarmed respondeu que “tomará as medidas que se considerem necessárias ao cumprimento das obrigações previstas na lei”.


Actualização em 9 de Fevereiro de 2015

Em 2014, a indústria farmacêutica concedeu apoios e subsídios de mais de 60 milhões de euros a profissionais e organizações do sector da saúde, mas estes apenas declararam ter recebido cerca de 21 milhões de euros. Agravou-se, assim, o fosso entre os valores notificados pelos laboratórios e os declarados pelos profissionais e sociedades de saúde no portal da “transparência” do Infarmed.


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Já agora, recordemos a reacção do bastonário, há menos de um mês, ao novo Código de Ética que está a ser preparado pelo Ministério da Saúde:
"O Ministério da Saúde não sabe o que é Ética, não sabe o que é Deontologia, não sabe o que é Democracia, não sabe o que é um Estado de Direito, não sabe o que é uma missão pública, não sabe o que é defender os interesses dos doentes, não sabe o que são verdadeiros conflitos de interesses, não sabe avaliar as consequências e as possibilidades de cumprimento das suas iniciativas legislativas (o que são incentivos institucionais? vai instituir um sistema nacional de recolha de livros, de esferográficas, de galinhas, de ovos e de couves?!)."

O novo código prevê que os funcionários do Serviço Nacional de Saúde (SNS) passem a encaminhar qualquer presente que recebam para a Secretaria-Geral do ministério, ofertas que depois serão doadas a instituições de solidariedade.

Afinal são galinhas e ovos de ouro. Palmas para o ministro Paulo Macedo.

Fica-nos apenas uma dúvida. Porquê a investigação ao portal do Infarmed não foi feita por funcionários administrativos do ministério da Saúde? Se são incompetentes por que foram admitidos?
Se queremos dignificar a função pública, temos de questionar tanto a competência dos seus funcionários e os meandros da sua admissão, como os da contratação de empresas privadas para investigações aos intervenientes no circuito do medicamento.


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