quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Entrevista de Vítor Bento à SIC


O economista e filósofo Vítor Bento foi convidado por Ricardo Espírito Santo Salgado e cooptado pela administração do Banco Espírito Santo (BES), no dia 14 de Julho, para presidente executivo deste banco.

No passado dia 30 de Julho, o banco apresentou os resultados do primeiro semestre, tendo revelado 3,6 mil milhões de euros de prejuízos devido a factores extraordinários — foram feitas provisões no valor de 4,3 mil milhões de euros de modo a assegurar eventuais perdas futuras na exposição ao Grupo Espirito Santo e ao BES Angola.

O rácio de capital do banco desceu para 5%, tendo deixado de cumprir o limite mínimo de 7% imposto pela União Europeia. Inicialmente o Banco de Portugal, o ministério das Finanças e a administração do banco contavam com investidores institucionais estrangeiros e pretendiam resolver o problema por meio de um aumento de capital.
Seguiram-se, porém, dois dias de dramáticas quedas da cotação em bolsa, começou a gerar-se receio entre os depositantes do banco e esses investidores afastaram-se.
Face à mudança de cenário, a CMVM suspendeu a negociação do BES na bolsa na sexta-feira e no domingo Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, anunciou a partição do banco em duas partes.

A parte má, o BES, ficou com os depósitos dos accionistas com participações qualificadas, os activos tóxicos, como são os empréstimos feitos ao Grupo Espírito Santo e ao BES Angola, e com os accionistas que vão sofrer enormes perdas.

A parte boa ficou com os depositantes, os empréstimos credíveis, as agências e os trabalhadores — é o Novo Banco. Este banco vai ser capitalizado com 4,9 mil milhões de euros do Fundo de Resolução, criado em 2012 para ajudar os bancos que passem por dificuldades e sustentado com as contribuições da própria banca.

Vítor Bento tornou-se no presidente executivo do Novo Banco na segunda-feira, 4 de Agosto. Três dias depois, dá a sua primeira entrevista:


21:29 07.08.2014


Vítor Bento foi cooptado no dia 14 de Julho para gerir um banco com 90 mil milhões de activos, 36 mil milhões de depósitos, 6 mil milhões de capital, uma exposição ao Grupo Espírito Santo de 1,2 mil milhões de euros e uma almofada de 2,1 mil milhões para fazer a cobertura. Questionado sobre o dia em que descobriu qual a verdadeira realidade do banco que, certamente, não foi 30 de Julho, dia da apresentação das contas, respondeu:
"Não consigo precisar exactamente o dia porque as coisas têm corrido a um ritmo tão rápido que às vezes até se vai perdendo a noção do tempo. Terá sido um ou dois dias antes. Como sabe, isso é público, não tive nenhuma participação nas contas relativas a 30 de Junho, nem na sua preparação, nem na apresentação, nem sequer nos provisionamentos que foram feitos."

Sobre o convite que lhe foi feito por Ricardo Salgado para liderar o BES, revela ter ficado surpreendido.
"Eu tinha a melhor vida possível, liderava uma empresa eficiente que presta um serviço socialmente útil, era bem pago, tinha liberdade e tempo para me dedicar a uma actividade cívica que valorizo muito. Não tinha interesse nenhum em meter-me nesta aventura. Deixei-me convencer por algumas pessoas que era uma missão que implicava um dever quase patriótico — evitar que houvesse uma 'debacle' financeira no País. Entendi que devia aceitar o desafio nessas condições apesar de, como referiu, o desafio ter sido colocado num quadro muito menos dramático do que acabou por se verificar", disse Vítor Bento.

Aos actuais depositantes do banco, garantiu:
"Os depositantes podem continuar a confiar no Novo Banco. As autoridades sempre disseram que os depositantes estavam seguros. A intervenção que se verificou [no fim-de-semana] provou essa segurança. O banco hoje é mais seguro e mais forte do que era na sexta-feira passada."

Quanto à transferência de depósitos para outras instituições financeiras, disse:
Espero convencer as pessoas a regressarem, é uma das missões que tenho. Espero que as pessoas mantenham a confiança. É essencial notar que alguns foram saindo, mas a grande maioria dos depositantes continua fiel ao banco e continua a manter o contrato de confiança com o banco. Aliás o banco tem sido reconhecido como o que presta o serviço de melhor qualidade dentro do sistema bancário."

O Novo Banco começa com depósitos no montante de 26 mil milhões de euros. Questionado se este valor terá baixado, afirmou:
"O banco foi partido no fim-de–semana passado, ainda se está a acertar os termos exactos do perímetro, não tenho os números exactos mas será algo dessa ordem de grandeza. O que significa que os depósitos que vão saindo não são suficientemente impactantes numa dimensão dessa natureza."

A nova entidade é, actualmente, um amontoado de activos e depósitos sem histórico mas com uma equipa experiente e uma rede valiosa. Questionado sobre a estratégia que vai seguir para que o Novo Banco se afirme e cresça, respondeu:
"Um banco é uma articulação de interesses e empenhos de vários participantes — os accionistas, os trabalhadores e os clientes. Esta experiência mostra que, mesmo perdendo um destes grupos — houve uma mudança radical de accionistas —, não há uma perda existencial desta entidade porque os trabalhadores e os clientes continuam a existir. Um desafio importante que tenho pela frente é assegurar que esta articulação continua a funcionar da melhor forma e a produzir o melhor resultado.

Questionado se é uma entidade viável, disse:
"O meu esforço é conseguir que seja viável. Está devidamente capitalizada e os activos mais problemáticos que existiam na entidade anterior foram desviados. Portanto esta entidade é mais forte e mais segura do que era a anterior. Agora tenho também o desafio de a tornar rentável, o que vai levar o seu tempo. Hoje temos uma entidade cujo balanço é 80% do balanço anterior. A actividade bancária em Portugal tem tido a mudança de figurino a que temos assistido ao longo de vários anos. Portanto o banco tem de ser adaptado e tornado rentável dentro desta nova realidade.

Questionado se os 4900 milhões de euros de capital serão suficientes, respondeu:
"Para a dimensão do balanço neste momento, são suficientes. Todas estas variáveis são dinâmicas: o BCP tinha um determinado capital, fez um aumento, hoje tem um capital mais elevado. A realidade entre activos e capital é dinâmica, mesmo na circunstância da normalidade."

Sobre a estratégia para desenvolver o banco:
"Temos de tornar o banco rentável, o que implica criar mecanismos de geração de receita e ajustar a estrutura de custos à dimensão do banco e à capacidade de geração de receita."

Questionado se ajustar a estrutura de custos, num banco com mais de 10 mil trabalhadores, significava reduzir, respondeu:
"Vou ter de apresentar um plano de reestruturação. Não me pergunte ao fim de dois dias — o meu tempo começou a contar na segunda-feira — o que vou fazer exactamente. Vai ter de haver um redimensionamento do banco. Terá de ser visto com os próprios ‘stakeholders’ envolvidos qual é a forma mais eficiente e socialmente melhor para conseguir esse desiderato."

Sobre esse redimensionamento abranger número de trabalhadores e balcões, Vítor Bento disse:
"É provável mas não consigo, neste momento, dar-lhe uma quantificação. Está em curso a elaboração de um plano de reestruturação que irá fazer a avaliação concreta da situação e desencadear as medidas que depois terão de ser aplicadas, mas não consigo dar uma quantificação. Não tenho o 'timing' exacto mas espero que será no prazo de um a três meses, dependendo da densidade desse plano e das etapas que vai ter de cumprir."

Questionado se vai alterar a estratégia do banco de emprestar muito às empresas, nomeadamente às pequenas e médias empresas, respondeu:
"Claramente que não. Tenho de ter como desígnio que o factor distintivo e de criação de valor e a principal responsabilidade da sua ‘franchise’ que é a qualidade do serviço prestado aos clientes, sejam depositantes ou devedores (empresas), se mantém."

Sobre os créditos aos clubes de futebol que era uma tradição do BES:
"Tenho que me preocupar com o essencial: restaurar a confiança e assegurar que o banco é viável. Vamos continuar a financiar o que é viável e rever o que não é viável".

Questionado sobre a venda de activos do banco, nomeadamente a participação na Portugal Telecom, respondeu:
"Não vou fazer uma declaração, neste momento, sobre o que, concretamente, iremos vender. Admito vender activos. Aliás já tinha dito no comunicado que fiz, no dia 30 de Julho, a seguir à apresentação de resultados, que tinha três pontos: a necessidade de capitalização do banco, tentando recorrer a investidores privados; um plano de reestruturação e a venda de activos. Ao pensar em descartar activos é preciso ponderar o impacto no capital e o impacto na geração de rendimento. Tem de se conseguir um equilíbrio que não sacrifique demasiado um dos lados para atender apenas ao outro. Admito vender activos desde que não ponha em causa a capacidade de geração de rendimento do banco. O banco, como todas as empresas, tem de ser projectado num horizonte do muito longo prazo."

Portanto o banco é para valorizar e vender bem vendido no prazo de dois anos:
"Exactamente, é o desígnio que tenho. E esse é o ‘timing’ que está definido, vamos ver."

Questionado se espera recuperar os 4900 milhões de euros, disse:
"Esse é o meu objectivo. Tenho um determinado capital que foi colocado no banco em certas condições. Tenho de fazer todo o esforço que esteja ao meu alcance — milagres não sei fazer — para assegurar que esse capital é totalmente reembolsado."


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