quinta-feira, 4 de setembro de 2014

João Ferreira do Amaral e Francisco Louçã na Edição da Noite da SIC


O tecido económico português tem enfraquecido lentamente desde 1974 devido a opções políticas, quer por parte de sindicatos, quer de governantes sem visão, mais preocupados com interesses pessoais e partidários do que com interesses nacionais. A partir do início do século XXI, o crescimento económico estagnou e os défices público, externo e da balança de pagamentos começaram a dar sinais de descontrolo. Sem políticos íntegros e capazes de implementar reformas estruturais e sem um eleitorado capaz de entender a necessidade destas, ia acentuar-se a decadência e tornar-se visível o empobrecimento.

Os primeiros sinais surgiram em 2003 quando o governo Barroso decidiu congelar os salários na função pública durante dois anos.

Com a insatisfação popular a crescer, José Sócrates obteve uma maioria absoluta nas eleições legislativas de 2005 com a proposta de um choque tecnológico.
Em Agosto desse ano, o governo Sócrates decidiu congelar as carreiras na função pública, mais criadoras de despesa que os aumentos salariais, e incentivar a imigração, primeiro a oriunda de países africanos e do Brasil, depois a da índia e do Paquistão, para ir desvalorizando lentamente os salários no sector privado. Ao mesmo tempo incentivou a informatização da sociedade, provocando uma chuva de computadores sobre as administrações públicas e os alunos de todas as idades, a construção de hospitais e auto-estradas com recurso a parcerias público-privadas (PPP) e desencadeou o desenvolvimento das energias renováveis através da importação de turbinas eólicas dinamarquesas e de contratos milionários a favor dos produtores de energia eléctrica. A economia não reagiu mas a corrupção e a dívida pública cresceram desmesuradamente e o País perdeu o acesso aos mercados financeiros.
Aí Sócrates teve de passar a medidas mais drásticas: com o PEC 3 cortou os salários na função pública, em Janeiro de 2011, e com o PEC 4 pretendia estender esses cortes às pensões, em 2012. Obrigado a pedir empréstimos à China com juros agiotas de 6,7% e voltando de mãos vazias da viagem aos Emiratos Árabes Unidos, teve de pedir assistência económica e financeira à troika BCE/CE/FMI e pediu a demissão.

Os cortes das pensões acabaram por ser introduzidos através da contribuição extraordinária de solidariedade (CES), já pelo governo Passos Coelho, que manteve o congelamento das carreiras na função pública e procurou diminuir a despesa pública incentivando, quer as aposentações, quer as rescisões de funcionários. Foram feitas algumas reformas estruturais através de maior exigência na escola pública, da alteração do subsídio de desemprego, diminuição do número de freguesias, incentivo financeiro às uniões de concelhos (nem um aceitou), corte de subsídios às fundações, renegociação de contratos ruinosos com PPPs e com produtores de energia eléctrica, reformas que desencadearam enorme celeuma e contestação da parte dos visados. Houve desvalorização dos rendimentos da população, o País tornou-se ligeiramente mais competitivo e foi retomado um grande projecto industrial — o projecto portuário e industrial de Sines criado por Marcello Caetano e defendido durante anos, em vão, pelo socialista António Brotas.
No entanto, são reformas suaves e restritas que levam tempo a produzir resultados. É preciso esperar anos para haver qualificação dos trabalhadores e surgirem os empresários e os investidores estrangeiros capazes de desencadear o desenvolvimento económico necessário para satisfazer o aumento de nível de vida exigido pela população.

Agora dois economistas, Francisco Louçã e João Ferreira do Amaral, acabam de publicar o livro "A Solução do Novo Escudo" onde admitem um choque financeiro profundo e drástico, o mais radical que um País pode sofrer — a passagem de uma moeda forte para uma moeda fraca. O livro é o mapa da passagem. Ouçamos com atenção as suas opiniões:

00:47 04.09.2014


Passar do euro para o novo escudo implica uma desvalorização cambial elevada que vai incrementar as exportações e diminuir drasticamente as importações. Porquê? Porque os produtos importados encarecem e vão provocar inflação que desvaloriza os salários. Torna-se, por isso, mais atractivo investir na produção agrícola e relançar a indústria para produzir bens transaccionáveis que se possam exportar para países com moeda forte como é o euro. E cria-se emprego.
A via das desvalorizações salariais, seguida até agora, afecta igualmente a produção de bens transaccionáveis ou não transaccionáveis. É certo que a desvalorização cambial vai provocar uma desvalorização salarial mas incentiva a produção de bens transaccionáveis, em detrimento da produção dos bens não transaccionáveis e das profissões associadas — escriturários, sociólogos, psicólogos, relações públicas, advogados, professores, artistas, ... E como o País não dispõe de matérias-primas, nem de recursos energéticos, vai ser preciso qualificar os trabalhadores, único recurso disponível. No futuro, essa qualificação poderá permitir uma melhoria dos salários. Estas são as vantagens.

Passemos às desvantagens. Os produtos importados — não só os medicamentos e os combustíveis, mas também os produtos alimentares, roupas, automóveis, frigoríficos, fogões, fornos microondas, máquinas de lavar roupa, smartphones, computadores, televisores, enfim, quase tudo — tornam-se muito caros e vão desaparecer dos supermercados e das lojas de electrodomésticos e produtos electrónicos. Vamos ter escassez de comida e de equipamentos electrónicos domésticos e uma inflação galopante que vai desvalorizar os salários e as pensões.

Sob esta chicotada brutal, e sem hipótese de retrocesso, os portugueses vão ser mais rigorosos nos estudos, na escolha da profissão e exigir o fim da incompetência, do peculato e da corrupção na política. Vai surgir uma emigração em massa para os países do norte e centro da Europa, para os Estados Unidos, Canadá, Brasil, Austrália e até para os países africanos e da América latina que vai canalizar dinheiro do estrangeiro para o nosso País. Mas perdemos as verbas que continuamos a receber da União Europeia (UE) e corremos o risco de perder para ela engenheiros, médicos e os técnicos mais qualificados.

Os ricos vão manter o nível de vida graças aos milhões de euros guardados em contas na Suíça, no Luxemburgo e nos offshores britânicos e americanos.
Pelo contrário, as classes média e média-baixa vão ver as suas poupanças, actualmente guardadas em euros nos bancos portugueses, serem convertidas em escudos e ficarem reduzidas a quantias de valor bastante inferior. De um dia para o outro, acordam num país com um nível de bem-estar semelhante ao da Roménia, da Bulgária, da Ucrânia ou de Marrocos.

O livro estuda dois cenários: saída do euro com o acordo da UE, isto é, financiada por um empréstimo da UE, e cenário de saída sem empréstimo UE. Obviamente o primeiro é completamente irrealista.
Portugal não conseguiria regressar ao nível de vida que actualmente desfruta na Zona Euro senão daqui a várias décadas de enormes privações e trabalho duro. A ditadura levou de 1926 a 1974 a desenvolver a economia portuguesa, ou seja, 48 anos. É uma ilusão pensar que, em democracia, o crescimento económico e a produção de bens, que substituam os que não conseguiremos importar com o novo escudo, poderão ocorrer rápida e milagrosamente.
O povo judeu foi obrigado por Moisés a fazer uma travessia de 40 anos do deserto do Sinai para expurgar vícios e costumes perniciosos. Quando regressaram à pedregosa e árida Palestina olharam-na com uma terra onde corria o leite e o mel. O que João Ferreira do Amaral e Francisco Louçã propõem é que o povo português faça a sua travessia do deserto. A recompensa será a reconquista da soberania.


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