sábado, 22 de novembro de 2014

O dia em que José Sócrates foi detido


O ex-primeiro-ministro José Sócrates e mais três pessoas foram detidas em investigação sobre fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção.

José Sócrates viajava de Paris, onde tem uma residência, e foi detido por agentes da Autoridade Tributária após o voo ter aterrado no aeroporto de Lisboa, ontem, pelas 22:30. Este é o primeiro comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR):

Nota para a Comunicação Social

Inquérito DCIAP - Diligências

Ao abrigo do disposto no art. 86.º, n.º 13, al. b) do Código de Processo Penal, a Procuradoria-Geral da República torna público o seguinte:

No âmbito de um inquérito, dirigido pelo Ministério Público e que corre termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), e onde se investigam suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, na sequência de diligências, desencadeadas nos últimos dias, foram efetuadas quatro detenções.

Entre os detidos encontra-se José Sócrates.

Três dos detidos foram presentes ao juiz de instrução criminal durante o dia de sexta-feira, sendo que os interrogatórios serão retomados este sábado. Também este sábado, o quarto arguido será presente ao juiz de instrução.

Foram ainda realizadas buscas em vários locais, tendo estado envolvidos nas diligências quatro magistrados do Ministério Público, e sessenta elementos da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Polícia de Segurança Pública (PSP), entidades que coadjuvam o Ministério Público nesta investigação.

O inquérito, que investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível, encontra-se em segredo de justiça.

Esclarece-se também que esta investigação é independente do denominado inquérito Monte Branco, não tendo tido origem no mesmo.

Lisboa, 22 de novembro de 2014

O Gabinete de Imprensa

No segundo comunicado, a PGR explicita o nome dos outros três detidos e informa que a investigação foi desencadeada por uma comunicação bancária:

Nota para a Comunicação Social

Inquérito DCIAP - Detidos

Ao abrigo do disposto no art. 86.º, n.º 13, al. b) do Código de Processo Penal, a Procuradoria-Geral da República torna público o seguinte:

Como foi informado oportunamente, no âmbito de um inquérito, dirigido pelo Ministério Público e que corre termos no Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), e onde se investigam suspeitas dos crimes de fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, foram efetuadas quatro detenções.

Para além de José Sócrates, detido ontem, foram ainda detidos, na passada quinta-feira, Carlos Santos Silva, empresário, Gonçalo Trindade Ferreira, advogado, e João Perna, motorista.

Os interrogatórios dos detidos, no Tribunal Central de Instrução Criminal, tiveram início ontem e foram retomados já este sábado.

Esclarece-se também que este inquérito teve origem numa comunicação bancária efectuada ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) em cumprimento da lei de prevenção e repressão de branqueamento de capitais, Lei n.º 25/2008, que transpôs para a ordem jurídica interna Directivas da União Europeia.

Reitera-se, assim, que se trata de uma investigação independente de outros inquéritos em curso, como o Monte Branco ou o Furacão, não tendo origem em nenhum destes processos.

O inquérito, que investiga operações bancárias, movimentos e transferências de dinheiro sem justificação conhecida e legalmente admissível, encontra-se em segredo de justiça.

Lisboa, 22 de novembro de 2014

O Gabinete de Imprensa

A revista Sábado tinha divulgado no dia 31 de Julho que José Sócrates estava a ser investigado no âmbito de um processo extraído do caso Monte Branco.
No dia seguinte o Correio da Manhã noticiou que uma equipa da polícia judiciária liderada pelo procurador Rosário Teixeira estava a investigar a origem dos 2,8 milhões de euros que permitiu a compra da casa onde José Sócrates vivia em Paris.

Notícia que foi prontamente desmentida pela PGR e classificada como difamação pelo ex-primeiro-ministro no seu programa semanal, ao domingo, na RTP:
"A minha reacção é de estupefacção. O caso é suficientemente grave para que os portugueses percebam como se montam as campanhas de difamação. É uma verdadeira canalhice, porque se trata de inventar uma notícia para colocar nos jornais, para logo depois ser desmentida pelo Ministério Público."

Numa entrevista à RTP, em Março de 2013, José Sócrates foi confrontado com as acusações de ter uma vida de luxo em Paris. Respondeu:
Não tenho conta no estrangeiro. Nunca tive contas no estrangeiros nem tenho capitais para movimentar. Em França, tenho uma conta da Caixa Geral de Depósitos, sempre foi o meu banco. Só tenho uma conta bancária há mais de 25 anos. Não tenho nenhumas poupanças. Nunca tive acções, offshores, nunca tive contas no estrangeiro. A primeira coisa que fiz quando saí do Governo foi pedir um empréstimo ao meu banco.

A compra da casa luxuosa onde José Sócrates vivia em Paris, com 230 metros quadrados e um preço de 2,8 milhões de euros, e o seu estilo de vida faustoso, sem que tenha rendimentos que o justifiquem, há muito era motivo de suspeição. Obviamente estavam a decorrer investigações:

19:29 22.11.2014


Já se sabe que Carlos Santos Silva, amigo de infância de José Sócrates e administrador da construtora Lena até 2009, serviu-lhe de testa-de-ferro no branqueamento de 20 milhões de euros depositados numa conta do banco suíço UBS, titulada por uma offshore.
Esta fortuna foi transferida para o BES, ao abrigo do segundo Regime Extraordinário de Regularização Tributária (RERT II) criado pelo seu governo, que permitiu a regularização fiscal de verbas depositadas no exterior até finais de 2009, mediante o simples pagamento de um imposto de 5% sobre o total desse património e desde que o titular o colocasse em Portugal. Por esta via, não só evitou o pagamento de um imposto que, em condições normais, é quase 50%, como também não ficou sujeito a declarar a proveniência da fortuna.

Os investigadores supõem que José Sócrates já tinha recorrido a este expediente em 2005. Nessa altura saiu o RERT I que terá permitido ao então primeiro-ministro colocar em Portugal meio milhão de euros que tinha numa offshore, também em nome de Santos Silva.

São quantias difíceis de explicar, se considerarmos as actividades profissionais que exerceu até 1991 e a sua longa carreira política como deputado, a partir de 1987, ou governante — foi secretário de Estado do ministro do Ambiente (1995-99), ministro do Ambiente (1999-2002) e primeiro-ministro (2005-2011).
Um deputado recebe metade do vencimento do Presidente da República, um secretário de Estado recebe 60%, um ministro 65% e o primeiro-ministro 75%. Ora o vencimento do Presidente da República nunca ultrapassou 7630 euros, sendo este valor máximo atingido apenas em 2010.


13:15 22.11.2014


Já na condição de detido, José Sócrates presenciou uma busca à sua residência de Lisboa, bem como à da mãe que actualmente está em nome de Carlos Santos Silva:

20:28 22.11.2014


José Sócrates chega ao Campus de Justiça na condição de detido


A detenção de Santos Silva teve lugar na quinta-feira e foi interrogado ontem. Hoje, sábado, é a vez do ex-primeiro-ministro ser interrogado pelo juiz Carlos Alexantre no Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa.


*



A residência de José Sócrates na rua Braamcamp, em Lisboa.



José Sócrates e Santos Silva (o último, a contar da esquerda, na fotografia) são amigos desde os tempos da Covilhã, de onde o empresário é natural e onde o ex-primeiro-ministro viveu toda a infância e adolescência. Em Coimbra, ambos frequentaram o mesmo curso e chegaram a partilhar quarto.

Santos Silva sempre esteve ligado ao sector da construção civil. Em 1988 fundou a empresa de Projectos de Engenharia e Arquitectura - Proengel, mais tarde dirigiu a empresa de construção Conegil, responsável pelo aterro da Cova da Beira, e depois integrou a administração do Grupo Lena, até 2009.

A primeira vez que ambos foram investigados por crimes de corrupção e branqueamento de capitais remonta a 1999, ao processo Cova da Beira. Sócrates, então secretário de Estado do Ambiente, foi acusado de ter recebido “luvas” para favorecer o consórcio HLC, que integrava a Conegil, na adjudicação de um aterro sanitário naquela região.

Os arguidos neste processo foram António José Morais, um professor de Sócrates na universidade Independente, e a sua ex-mulher, sócios-gerentes da empresa Ana Simões & Morais contratada para assessorar o concurso promovido pela Associação de Municípios da Cova da Beira, e Horácio de Carvalho, sócio de Santos Silva no consórcio.
José Sócrates foi apenas arrolado como testemunha, tendo alegado, por escrito, não ter tido qualquer influência nem na escolha da Ana Simões & Morais, nem na escolha da HLC para construir o aterro. Santos Silva nem sequer chegou a ser ouvido. Todos os arguidos acabaram por ser absolvidos.

Em 2011, os nomes de José Sócrates e Carlos Santos Silva voltariam a aparecer, agora no processo Face Oculta, que julgou crimes de burla, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências.
O ex-ministro socialista Armando Vara foi um dos 36 arguidos e acabou condenado a uma pena de cinco anos de prisão efectiva. Santos Silva chegou a ser referenciado nas conversas telefónicas entre Vara e Sócrates, que foram alvo de escutas mas acabaram por ser eliminadas do processo porque não tinham sido autorizadas. Mais uma vez não foram constituídos arguidos.

No entanto, tantas vezes vai o cântaro à fonte, que um dia lá deixa a asa. Após o afastamento de Ricardo Espírito Santo Salgado da presidência do BES, no passado mês de Julho, os movimentos dos titulares de contas no banco foram minuciosamente esquadrinhados. E a trama urdida por José Sócrates e o papel de Carlos Santos Silva como seu testa-de-ferro postos em evidência.

Agora não podem contar com cumplicidades na Procuradoria-Geral da República, nem na banca. A Uría Menéndez-Proença de Carvalho foi escolhida por Ricardo Salgado para sua defesa. O ex-primeiro-ministro já foi descartado pelo seu advogado habitual, Daniel Proença de Carvalho, e aparece a ser defendido por uma figura grosseirona. A estrela de José Sócrates começa a empalidecer. E uma sombra começa a pairar sobre o seu antigo ministro de Estado e da Administração Interna António Costa que tão sábias escolhas políticas sabe fazer para líderes parlamentares...


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