sábado, 25 de abril de 2015

Quarenta e um anos depois






Foi um marido afectuoso e, mais tarde, o melhor pai.
Trabalhava incansavelmente, de segunda a sábado, e ao domingo estudava.
Dizia que a guerrilha colonial ia provocar o fim da ditadura,
passaríamos a viver em democracia,
ser governados pela gente idónea da oposição
e desfrutar da vida esplêndida da Alemanha.
Por isso acreditei antes que aconteceu
e aplaudi quando o dia 25 de Abril amanheceu.

Vi as colónias tornarem-se independentes,
morrer em Angola o poeta Agostinho Neto e chegarem ao poder os cleptocratas
que depois se converteram em plutocratas.
Vi a Guiné-Bissau tornar-se num entreposto de droga da América Latina,
o petróleo ensoberbecer os líderes timorenses
e desaparecer de cena virtuosos crentes agraciados com o Nobel da Paz.

Vi os comunistas substituírem o mérito pelo cartão partidário
e discriminarem docentes por não alinharem em greves meramente políticas.
Vi Mário Soares coleccionar moradias em Nafarros e Alvor e cumular fundações,
Cavaco Silva rodear-se de larápios (e um assassino),
deixá-los desbaratar os fundos europeus
em apartamentos de luxo, herdades e moradias com piscinas e ferraris na garagem,
aboletar-se, via BPN, com uma propriedade na costa algarvia
e receber, a preço de saldo, o pavilhão da Utopia.
Vi José Sócrates endividar o País com obras públicas
para arrecadar pecúlios de dezenas de milhões,
ciosamente guardados em contas de testas-de-ferro na Suíça,
que depois fez regressar à origem, decretando perdões fiscais.
Vi os bloquistas criarem ilusões, enovelarem-se em temas fracturantes
e acabarem por demonstrar que nem sequer sabiam gerir facções.
Vi Ricardo Espírito Santo Salgado eleger presidentes da República,
criar plataformas giratórias para enriquecer centristas e socialistas,
e subsidiar festas comunistas.

Hoje os socratistas têm outro líder carismático
e os donos da comunicação social estão a preparar o eleitorado
para lhe entregar o poder
e deixar esta corja transformar novamente o País num protectorado.

Quarenta e um anos depois daquela auspiciosa madrugada,
para além da liberdade de expressão, o que é que há para comemorar?
Se as famílias vivem melhor,
devem-no ao decréscimo da natalidade,
aos fundos que a Europa do Norte ofereceu, e continua a enviar-nos,
e à inovação tecnológica que uma moeda forte vai permitindo importar.
Resta-me reconhecer, com humildade,
que trocámos ditadores íntegros com um desígnio para o País
por gente incapaz e pervertida, uma nulidade que se azáfama
a encher a algibeira e aumentar o património familiar.
Resta-me recordar a utopia perdida,
ir depor cravos vermelhos na campa e confessar,
confessar amargamente: “Eles enganaram-nos, pai.


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