terça-feira, 23 de junho de 2015

A Grécia à beira da bancarrota - III a. Inicia-se a semana final


Na segunda-feira, o Governo grego apresentou uma nova proposta de reformas assente quase exclusivamente em aumentos de impostos e subida das contribuições para a Segurança Social.
As medidas estão discriminadas aqui e o impacto que terão no orçamento grego foi resumido neste quadro:



O aumento das receitas ascendia a cerca de 8 mil milhões de euros e a proposta provocou alvoroço na Zona Euro, tendo recebido rasgados elogios dos seus líderes.
Christine Lagarde foi o único líder mundial que não se deixou impressionar, não tendo embarcado nos encómios.

Sabendo que os gregos com condições para pagar impostos recorrem a todas as artimanhas para não o fazerem e que a máquina fiscal grega é ineficiente e corrupta, esta proposta grega só devia ter merecido um sorriso amarelo. Além de que o aumento da taxa de IRC para 29%, num país exangue pela fuga de capitais — segundo o banco central, desde Outubro foram retirados cerca de 30 mil milhões de euros dos bancos gregos — só vai afastar para bem longe o investimento privado.

Denota lucidez o jornalista que escreveu este artigo de opinião premonitório que transcrevemos com a devida vénia:


"A farsa da Grécia"
23 Junho 2015, 19:50 por João Carlos Barradas

"Actuam como farsantes no meio de uma tragédia os líderes europeus que fingem acreditar nas promessas de última hora chegadas de Atenas para adiar a bancarrota da Grécia.

Para começar, as propostas de Alexis Tsipras só serão aprovadas pelo parlamento de Atenas, nos termos divulgados terça-feira, com apoio da oposição conservadora e socialista à custa de cisões no Syriza e, eventualmente, do fim da coligação com os xenófobos de extrema-direita Gregos Independentes.

Admitindo que o pacote austeritárito de Tsipras sobreviva a uma crise governamental, o calendário do processo legislativo grego impossibilita que Atenas aprove legislação atempadamente para honrar os seus compromissos a 30 de Junho.

Christine Lagarde terá, então, de admitir um período de graça de 30 dias após a Grécia falhar o pagamento de 1,6 mil milhões de euros ao FMI ou os credores estão condenados a adiantar 7,2 mil milhões de euros sem garantias legais.

Recessão e fantasia

As receitas estimadas do aumento de impostos — em especial do IVA, eliminando ainda regimes de excepção em ilhas do Egeu, e do IRC — implicam um acto de fé na administração fiscal grega que se caracteriza pela ineficácia e altos níveis de corrupção.

O acréscimo de contribuições para a segurança social — que com o agravamento da carga fiscal geraria presumivelmente receitas e poupanças (sendo vaga a diferença entre o poupar e o ganho) de 2,7 mil milhões de euros este ano e 5,2 mil milhões de euros em 2016 — redundaria, de facto, em maior incentivo à expansão da economia paralela.

O consequente penar e agravar das condições de subsistência, sobretudo entre mais de um milhão de reformados com pensões inferiores a 665€/mês, alastraria a mancha de pobreza que flagela mais de 30% da população.

A opção pela supressão gradual de reformas antecipadas antes dos 67 anos até 2025 é sinal de óbvia incapacidade política de reforma de um sistema insustentável, por quebra demográfica e redução de rendimentos, em que o pagamento de pensões equivale a 16% do PIB.

Um excedente orçamental primário de 1% em 2015 ou de 2% em 2016 só será possível agravando níveis económica e socialmente incomportáveis de congelamento e redução do investimento e despesa públicas.

Pagam os outros

As excepcionalmente favoráveis taxas de juros e prazos de maturidade (só a partir de 2022 Atenas começará a pagar o grosso da dívida aos parceiros europeus) tornam difícil um perdão que, de uma forma ou doutra, será concretizado à custa dos demais países do euro.

Nos países de rendimentos "per capita" inferiores à Grécia, caso, por exemplo da Eslováquia ou Letónia, é insuportável levar eleitores/contribuintes a sustentar um Estado grego viciado no financiamento externo a fundo perdido de taras clientelistas.

Para Portugal uma exposição de 4,6 mil milhões de euros, segundo estimativa do Barclays Bank, é de ter em conta para efeitos de eventual bancarrota helénica ou reestruturação de dívida.

O pagamento da dívida de 317 mil milhões de euros, equivalente a 180% do PIB, é inviável sem crescimento económico e por baixa competitividade na venda ao exterior de bens e serviços, a Grécia (apesar de reduções nominais e reais de salários) revela não ter condições para subsistir na Zona Euro.

A banca helénica, exangue pelos temores de depositantes, está em vias de esgotar as garantias devidas ao BCE e tão cedo não terá condições de injectar crédito a empresas, autarquias e particulares.

A promessa de financiamentos de 35 mil milhões de euros da Comissão Europeia para investimentos em infra-estruturas e projectos a longo prazo é irrelevante para obviar à contracção da economia grega agravada pela deflação.

Desmanchar a tenda

A farsa começou em 2001 quando a Grécia adoptou o euro graças a uma contabilidade nacional fraudulenta com conhecimento e conivência da Alemanha e França e aquiscência dos demais parceiros.

Agora, expostas as taras políticas e económicas da moeda única numa conjuntura em que voltam à discussão propostas para federalização política de forma a sustentar o euro, tornou-se incontornável o choque entre soberanias nacionais.

A Grécia — arruinada por conservadores, socialistas e extremistas de esquerda e direita — chegou ao fim da linha.

Tentar manter Atenas na moeda única pesa ainda mais do que arrostar com os tremendos custos que vai acarretar a sua queda borda fora da Zona Euro."


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