domingo, 6 de março de 2016

A ideia III


A última ideia das "Dezanove ideias sobre o estado da confiança em Portugal" dos 26 anos do Público que queremos destacar diz respeito ao sistema de pensões. É de Bagão Félix, o ministro das Finanças imposto a Santana Lopes pelo então presidente da República Jorge Sampaio para evitar o descalabro das contas públicas:


A geração entre os 30 e os 50 anos tem razões para acreditar na sustentabilidade do sistema de pensões até ao momento da sua aposentadoria?

A confiança não se decreta, nem se proclama. Constrói-se durante longo tempo, ainda que se possa erodir com erros políticos e fascínios eleitorais. É património imaterial de qualquer provisão social pública, privada ou mista.

No nosso sistema de pensões — baseado no contrato geracional e na lógica sinalagmática entre obrigações e direitos — a ideia da confiança é decisiva, ainda que enfrente, sobretudo em conjunturas severas, expressões (às vezes, crípticas) de desconfiança.

Drummond de Andrade dizia que “a confiança é um acto de fé, e esta dispensa raciocínio”. Acrescentaria que, no domínio do catastrofismo que assedia os sistemas sociais, esta asserção é certeira para a desconfiança. Desobriga o raciocínio e prova real e alimenta-se freneticamente do “diz-se”.

Os sistemas de pensões em regime de repartição apresentam algumas vulnerabilidades a prazo. A solução, porém, não é a de passar para uma lógica de fundeamento das responsabilidades futuras (regime puro de capitalização), pois que é de todo irrealizável. Este debate é até estéril: exigiria que uma geração completa duplicasse o esforço (para a geração anterior e para a sua), dificilmente cobriria o risco da inflação e não ofereceria mais segurança em tempos de crise.

As debilidades do sistema prendem-se com a nefasta convergência de uma demografia estruturalmente “adversária” e de uma economia conjunturalmente com menos capacidade de criar riqueza e com elevado desemprego.

A chave da questão está na capacidade de, por via do aumento da produtividade, se compensar o efeito da deterioração do peso da população empregada versus inactivos e desempregados. Isto, para além de medidas paramétricas já concretizadas para ajustar o sistema, a começar pelo “factor de sustentabilidade”, que funciona como “estabilizador automático”.

A evolução demográfica deve ser perspectivada dos dois lados. Vive-se mais tempo e nasce-se menos. Ora, isto significa que, se o peso das pensões é maior, também o mesmo valor (real) de salários de há 40 anos é agora repartido por menos filhos e, assim sendo, há maior capacidade de aforro familiar. Por isso, a confiança pressuporá também a não demonização da necessária complementaridade da protecção na velhice, nem o envenenamento ideológico dos tectos contributivos do sistema público com que alguns se entretêm.

Em suma: produtividade, sentido estratégico das reformas paramétricas, pedagogia da poupança são as chaves da confiança geracional. Em vez de incitamentos indirectos e perversos à fragmentação geracional, bom será não delapidar a confiança no contrato social– passando do exclusivismo de um Estado providencialista (de prover) para uma sociedade mais previdencialista (de prevenir).

António Bagão Félix
Professor Universitário


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