quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Sobre a primeira greve laboral na Autoeuropa


Depois de 26 anos de paz laboral, a Autoeuropa teve a sua primeira greve por razões laborais, sete meses após a reforma do carismático coordenador da comissão de trabalhadores da fábrica da Volkswagen em Palmela.

De acordo com o novo modelo de horários que deveria ser implementado a partir de Novembro, cada trabalhador iria rodar nos turnos da manhã e da tarde durante seis semanas e faria o turno da madrugada durante três semanas consecutivas, com uma folga fixa ao domingo e uma folga rotativa nos outros dias da semana.

A greve foi marcada após a rejeição de um pré-acordo entre a administração e a nova Comissão de Trabalhadores — que apresentou a demissão e convocou eleições para 3 de Outubro —, devido aos novos horários de laboração contínua retirarem a folga fixa ao sábado.

O conflito laboral na Autoeuropa é uma questão de dinheiro ou de tempo para a família?

A Autoeuropa existe há 26 anos mas o trabalho ao sábado numa base permanente é desconhecido para os trabalhadores da empresa. Até agora, quando a produção assim o exigia, a fábrica trabalhava aos sábados de manhã, o que era remunerado como horas extraordinárias.

Agora, os trabalhadores apontam que os 175 euros mensais extra oferecidos pela administração ficam muito abaixo dos 400 euros mensais a que teriam direito se trabalhassem o sábado em regime de horas extraordinárias. Por outro lado, dizem que trabalhar todos os sábados, e turnos nocturnos, vai ter consequências negativas para a sua vida familiar e também em termos de saúde.

Já a administração da Autoeuropa precisa que a fábrica trabalhe sem parar durante seis dias por semana, em três turnos diários, num total de 18 turnos semanais, para produzir 240 mil automóveis em 2018.

Em entrevista ao Negócios, António Chora, o coordenador da comissão de trabalhadores durante 20 anos, descreve o contexto em que eclodiu o conflito. Primeiro, vejamos, resumidamente, o seu percurso de vida:
António Chora nasceu em Montemor-o-Novo, em 1954. Começou a trabalhar com 12 anos, primeiro na construção civil, de seguida numa empresa de tecidos, em Lisboa.

A partir dos 14 anos começou a estudar à noite no ensino técnico, tendo feito o curso industrial e o comercial. Mais tarde completou o ensino secundário, fazendo o complementar de Mecanotecnia.

Entrou na Siderurgia em 1977 e, como era militante do PCP, foi chamado para a actividade sindical embora não tenha sido delegado sindical a tempo inteiro. Passou para a Autoeuropa, em 1992, e aí trabalhou até à sua reforma, em Janeiro de 2017. Foi o coordenador da comissão de trabalhadores (CT) desta empresa entre 1996 e 2016, um período que é recordado pelo aumento do número de postos de trabalho e por relações laborais estáveis.

Desde o 25 de Abril, tem sido deputado municipal do concelho da Moita, onde reside. Em 1999, nove anos depois da implosão dos regimes socialistas nos países europeus do Leste, pediu a demissão do PCP e, no final desse ano, ligou-se ao Bloco de Esquerda. Entre 2006 e 2007, foi deputado do parlamento, em substituição de Fernando Rosas, durante seis meses.

O coordenador demissionário da CT, Fernando Sequeira, disse que o sindicato SITE Sul, afecto à CGTP, estava a realizar um assalto ao castelo na Autoeuropa. Concorda?
Sim, é claramente o assalto ao castelo e a tentativa do PCP pressionar o Governo para algumas cedências noutros lados. Mas isso tem sido a prática ao longo dos anos.

Este sindicato aproveitou a sua saída para entrar na CT?
Vamos ver se entram. Ainda tem que haver eleições. O sindicato montou-se em cima de quatro ou cinco populistas. É lamentável porque é um sindicato com história.

Está admirado com este conflito laboral?
Estou espantado. Nunca pensei ver tanta verborreia como tenho visto ultimamente, mas o populismo é assim.

Vai haver muita adesão à greve de dia 30 de Agosto?
Penso que sim, é capaz de haver uma adesão significativa porque as pessoas estão demasiado instrumentalizadas e demasiado confiantes nas palavras de pessoas que nunca viram na vida delas.

Mas a administração diz que não negoceia com sindicatos...
Sim, é o que se passa em todas as fábricas da Volkswagen, tirando o caso de Bratislava [Eslováquia] onde há dois sindicatos, mas em que cada dia de greve é pago pelos sindicatos a 50 euros, aqui não se passa nada disso.

Pode haver um acordo até ao final do ano?
Penso que sim, se houver uma nova comissão de trabalhadores com carisma. Gostaria que uma lista independente ganhasse as eleições. Normalmente aparecem quatro ou cinco listas, vai depender da divisão de votos por essas listas.

Tem-se falado em deslocalizar parte da produção do novo modelo T-Roc...
Eu já vi isto acontecer, em 2005 e 2006, na Volkswagen, em Pamplona, e na Seat, em Barcelona. Num caso não foram admitidos trabalhadores, noutro caso foram para a rua. Mas depois desta euforia vamos acompanhar esta situação com muita calma, com muita atenção.

Os 2000 novos postos de trabalho [criados por causa do T-Roc] ficariam em risco com a deslocalização?
Uma parte significativa sim, se calhar 700 ou 800 estão.

Tem-se comparado a Autoeuropa com a Opel na Azambuja [que fechou em 2006]...
Penso que a Volkswagen não trabalhará assim. Quando decidem é a longo prazo. Mas se a Volkswagen não conseguir produzir os automóveis aqui, há-de produzi-los noutro lado. Quanto mais próxima está a produção de um automóvel da produção dos seus motores ou da sua caixa de velocidade, mais barato se torna. Todos sabemos o preço que a logística tem hoje.

A Autoeuropa já esteve em risco de fechar?
As únicas vezes que a fábrica teve esse risco foi em 1999, quando a Ford desistiu do projecto, e depois em 2005 quando a Volkswagen falou em encerrar uma fábrica na Europa. Na altura falou-se na Autoeuropa por causa das questões logísticas e a outra era a fábrica de Bruxelas por questões salariais, custos de produção. Na altura estive quase três semanas na Alemanha com muitas reuniões com administrações e com comissões de trabalhadores e optou-se "por vender" a fábrica de Bruxelas à Audi. Em Dezembro de 2005 tinha havido também a recusa de um acordo, mas em Janeiro de 2006 foi aprovado por uma esmagadora maioria e tudo isso contribuiu para a manutenção da fábrica até hoje.

Quando se reformou já previa este conflito laboral?
Eu atrasei a minha saída um ano exactamente por causa disto. Eu era para ter saído em Dezembro de 2015, mas tinha assinado um acordo a dizer que até Fevereiro de 2016 tinha que ter os horários prontos por causa do T-Roc, mas a empresa não encetou negociações, e acabei por sair em Janeiro de 2017. Mas poderia ter-se arranjado algum tempo no meio disto tudo para negociar. Não podia estar a prolongar eternamente a minha saída. Não se negociou durante esta altura porque penso que havia a necessidade de defender os postos de trabalho que estavam em risco. A Autoeuropa teve que negociar com a Volkswagen para distribuir pessoas pela Alemanha até à vinda do T-Roc.

Saiu com o sentimento de dever cumprido?
Fui o trabalhador número 144 a entrar na Autoeuropa. Estive na liderança da comissão de trabalhadores de 1996 até 2016. E orgulho-me de ter sido membro de uma CT que começou numa fábrica com 144 pessoas. Saí de lá com 4 mil, contrariamente a muitos sindicatos que entraram com 11 mil trabalhadores e saíram com ninguém, como na Lisnave, CUF ou Quimigal. Tenho muito orgulho no meu trabalho.



T-Roc, o veículo que substituirá o modelo Sharan, cuja produção será descontinuada. Será produzido em Palmela pela Autoeuropa?


A greve teve uma adesão de 41%, mas bastava a ausência de apenas uma equipa da linha de montagem para o sindicato SITE Sul conseguir paralisar a produção de automóveis.

No parque industrial de Palmela existe um total de 13 empresas fornecedoras da Autoeuropa, actualmente com 1600 trabalhadores, metade das quais também foi afectada pela greve.

"Estão fábricas paradas devido à greve da Autoeuropa. Umas seis a sete fábricas foram atingidas pela greve, umas parcialmente, outras totalmente", afirmou Daniel Bernardino, coordenador da comissão de trabalhadores deste parque.

A maioria destas fábricas utilizam um processo de produção industrial conhecido por "just in time", isto é, os componentes não são armazenados, são enviados diariamente para a Autoeuropa.

"Esta paragem afecta-nos, porque como trabalhamos "just in time" é tudo escoado em poucas horas. Não temos espaço para armazenar a produção de um dia inteiro nas nossas empresas. O processo "just in time" obriga a que tenhamos stocks muito reduzidos", explica Daniel Bernardino.

Com o início da produção do T-Roc estas empresas tencionavam recrutar, pelo menos, mais 400 trabalhadores.


*


O pré-acordo previa que o horário de trabalho na Autoeuropa manteria as 40 horas semanais e a redução de folgas em dias consecutivos para 2/6 — teriam dias de folga consecutivos de três em três semanas, quando, a juntar ao dia de folga fixa, domingo, a folga rotativa fosse ao sábado ou à segunda-feira — teria a compensação financeira de 175 euros mensais.

No entanto, Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, explicou claramente o motivo da greve: "A Autoeuropa pura e simplesmente não pode deixar de se reunir com os sindicatos, tem que falar com os sindicatos porque são estes que representam os trabalhadores. Da mesma forma que pode e deve falar com a comissão de trabalhadores".

E fez exigências à administração da Autoeuropa: "Agora o que importa é dar o passo seguinte. Retomar o diálogo, expurgar tudo aquilo que possa gerar problemas na proposta que a empresa apresentou e apresentar alternativas. Depois deste passo, se se concretizar ou não, veremos se temos de dar o terceiro passo [nova greve], ou se porventura não é necessário".

Portanto, mais do que um conflito laboral, é uma guerra de poder político entre o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português. Sem quaisquer preocupações com o destino dos trabalhadores, quer da Autoeuropa, quer do parque industrial de Palmela. E, ainda menos, com a economia do país.

Alguns comentários lidos no Negócios:

abelavida
Há 16 horas
Se as condições não interessam aos trabalhadores da Auto Europa, estes só têm de não aceitar. Da mesma forma a VW também está no seu direito de mudar a produção para outro lado.
A questão é que se calhar há muita gente que gostava de trabalhar na fábrica dentro das condições que a mesma oferece.
Se falhar o bom senso de parte a parte quem acaba por perder é o país, ou seja, todos os portugueses.

Anónimo
Há 16 horas
Não vi aqui ninguém a defender 48h de trabalho para os seus colegas: tanto quanto sei, a proposta em causa visa que o pessoal trabalhe aos sábados e faça uma folga semanal rotativa, que também pode ser aos sábados. E por isso recebem 175,00€ extraordinários!

Tentando Perceber
Há 15 horas
As Guerras Políticas são assim, não querem saber do mal que fazem à Economia, a Portugal, daí que, por alguma simpatia que se possa ter pelo BE e pelo PCP, mete receio votar neles, por causa da irresponsabilidade que demonstram numa pequena luta de poder entre BE-Comissão de Trabalhadores e PCP-Sindicatos.

Anónimo
Há 15 horas
Este é o dilema global da globalização.
Aceitar imposições ou ir para o desemprego.
Tudo começou quando comprámos a primeira pechincha numa loja do chinês.
Agora estamos a competir com o chinês que trabalha em regime de cama quente.
Solução difícil, mas nunca com a demagogia sindical.

Anónimo
Há 10 horas
A CGTP só quer protagonismo. Em 26 anos de existência e em situações de redução da produção não houve greves, agora que esta vai aumentar é que fazem greve, realmente dá que pensar.

Ó palermas dos trabalhadores da AE
Há 13 horas
Os sindicatos são sempre contra o patrão mas tal não significa que estejam do vosso lado.
Vocês estão a ser manipulados e usados pelos terroristas económicos.
Abram a pestana e aprendam a negociar sozinhos, sem interferências exteriores, caso contrário os parasitas sociais ganham e vocês perdem.

Leão_da_estrela
Há 11 horas
Não estejam preocupados porque se a VW se chatear e levar a fábrica daqui para fora, o sindicato sustenta os 3500 trabalhadores até arranjarem emprego similar em ordenado e condições. Se não querem trabalhar dêem o lugar a outros. Esquecem-se que querem o fim-de-semana para ir aos centros comerciais e aos supermercados onde estão pessoas a trabalhar porque precisam de ganhar a vida.

Anónimo
Há 1 dia
Coitadinhos (dos empregados da AE, claro) onde eles se estão a meter...
A grande maioria deles são jovens e não conhecem a maneira destes sindicalistas negociarem! Já os da minha idade, ainda se lembram (ontem nos noticiários das televisões às 8 h deu para relembrar) das imagens às portas da LISNAVE, SETENAVE, SIDERURGIA NACIONAL, QUIMIGAL, SOREFAME, e por aí fora, e todos sabemos como acabaram. Resta a LISNAVE (chegou a ser das maiores construtoras/reparadoras navais mundiais) em Setúbal a fazer umas coisitas de nada, com meia dúzia de gatos pingados.
Não sei se já será tarde demais, mas abram a pestana, senão estão fecundados com um F muito grande...

Anónimo
Há 1 dia
A AE deve negociar com os trabalhadores (comissão) e não com sindicatos. A CGTP não deve atirar achas para a fogueira numa altura em que a empresa precisa de se concentrar no arranque da produção do novo modelo, pois é isto que vai dar continuidade e pagar o salário aos trabalhadores.


Sem comentários:

Enviar um comentário