terça-feira, 17 de outubro de 2017

Declaração do Presidente da República ao País, em Oliveira do Hospital


Os incêndios de 15 de Outubro provocaram, pelo menos, mais 41 mortos aos quais se somam as 64 mortes de Pedrógão Grande, em 17 de Junho.

Consternado pelos fogos florestais de 2017 já terem causado mais de uma centena de mortos, Marcelo Rebelo de Sousa proferiu uma declaração ao País, esta noite, nos Paços do Concelho de Oliveira do Hospital, um dos municípios do distrito de Coimbra mais afectados pelos incêndios deste mês de Outubro.

Caro leitor, pode encontrar a versão integral publicada no sítio da Internet da Presidência da República aqui.

Arquivámos a versão gravada pela RTP sem ruído de fundo (o negrito é meu):




"Aqui, em Oliveira do Hospital, o último fim-de-semana conheceu o maior número de vítimas, de desalojados, de desempregados, de pessoas atingidas pelos fogos. Por isso, falo aos portugueses, hoje, daqui.

O presidente da República é, antes de mais, uma pessoa. Uma pessoa que reterá, para sempre, na sua memória imagens como as de Pedrógão. Pedrógão rodeado pelo fogo com um autarca perdido a confessar que só na manhã seguinte descobriria quantos corpos estavam naquelas casas a arder, ali mesmo ao lado.
Umas histórias dos populares a combaterem fogos, em desespero, tantas vezes isolados. Ou a aventura generosa daquelas colunas de bombeiros vindas do outro lado de Portugal para lutarem noite fora em terrenos e condições acabadas de conhecer.
Ou agora, nestas Beiras, como dois irmãos morreram para salvar colmeias sustento e razão de ser da sua vida.
Ou uma aldeia, várias aldeias tocaram o sino a rebate, reuniram os anciãos na igreja e fizeram aquilo que se fazia há cem anos para apagar as chamas.
E o heroísmo de milhares de operacionais, como as corporações de bombeiros que há pouco saudei, e de muitos lugares que sozinhos tiveram de resistir pelas suas terras e pelas suas gentes.
E ainda dezenas e dezenas de testemunhos de perdas de tudo, dos avós aos pais, aos filhos, aos netos, aos maridos, às mulheres.

Mais de 100 pessoas mortas em menos de 4 meses em fogos em Portugal. Por muito que a frieza destes tempos cheios de números e de chavões políticos, económicos e financeiros nos convidem a minimizar ou banalizar, estes mais de 100 mortos não mais sairão do meu pensamento. Como um peso enorme na minha consciência, tal como no meu mandato presidencial.
Também por isso, por ter sentido chegar a tragédia e depois a ter confirmado de perto, estive onde estive, em Junho, e estarei nos próximos dias onde estarei.

Se falei aos portugueses primeiro como pessoa, foi para tornar bem claro que sempre, e mais ainda em tempos como estes, olhar para os dramas de pessoas de carne e osso com a distância das teorias, dos sistemas ou das estruturas, por muito necessário que possa ser, é passar ao lado do fundamental. Na vida como na política. E o fundamental é o que vai na alma de cada uma e de cada um dos portugueses.

Mas mais de 100 mortos em menos de 4 meses, além de ser um peso na consciência, são igualmente uma interpelação política. Uma interpelação política ao Presidente da República que foi eleito para servir incondicionalmente os portugueses. Para cumprir e fazer cumprir uma Constituição que quer garantir a segurança e a confiança dos cidadãos.

Ora, se há realidade que objectivamente ocorreu com estas mortes e estas duas e tão diferentes provações de um Verão interminável, foi a fragilização de muitos portugueses. Não vale a pena negá-lo.

Ficaram fragilizados perante aquilo que se lhes disse ou ouviram sobre a floresta e décadas de desordenamento ou incumprimento da lei.

Ficaram fragilizados perante o que lhes pareceu ser a insuficiência de estruturas ou pessoas em face de condições meteorológicas, dimensão e natureza de fogos, tão diferentes daqueles a que estavam habituados.

Ficaram fragilizados perante leituras dos relatórios sobre Pedrógão, em especial a do relatório da Comissão Parlamentar Independente, que acentuam dúvidas, temores, preocupações.

Ficaram fragilizados perante nova tragédia três dias depois da divulgação do relatório e por isso mesmo antes de acções possíveis por ele recomendadas.

Ficaram fragilizados perante a crescente denúncia de autarcas relativamente à criminalidade impune porventura existente na base dos fogos.

Ficaram sobretudo fragilizados perante a ideia da impotência. Da impotência da sociedade e dos poderes públicos, em face de tamanha confluência de catástrofes no tempo e no espaço.

Claro que uma tal fragilidade foi, ou é, em muitos casos, excessiva ou injusta atendendo à extensão das áreas atingidas, à virulência dos fogos e, em particular, à abnegação, ao heroísmo dos que a pé firme estiveram mobilizados cinco meses seguidos ao serviço da comunidade.

Mas o certo é que a fragilidade existiu e existe e atinge os poderes públicos e exige uma resposta rápida e convincente. E agora? Agora que se junta a interpelação dos que prematuramente partiram à exigência indignada dos que ficaram, o que pode e deve dizer o Presidente da República?

Pode e deve dizer que esta é a última oportunidade para levarmos a sério a floresta e a convertermos em prioridade nacional — com meios para tanto, senão será uma frustração nacional. Se houver margens orçamentais, que se dê prioridade à floresta e à prevenção dos fogos.

Pode e deve dizer que, por conseguinte, deve haver uma convergência alargada, porque os governos passam e é crucial que a prioridade permaneça.

Pode e deve dizer novamente que espera do Governo que retire todas, mas todas, as consequências da tragédia de Pedrógão, à luz das conclusões dos relatórios, em especial do relatório da Comissão Parlamentar Independente. Como, de resto, o Governo se comprometeu publicamente a retirar.

Pode e deve dizer que espera que nessas decisões não se esqueça daquilo que nos últimos dias confirmou ou ampliou as lições de Junho e olhe para estas gentes, para o seu sofrimento, com maior atenção ainda do que aquela que merecem os que têm os poderes de manifestação pública em Lisboa.

Pode e deve dizer que abrir um novo ciclo inevitavelmente obrigará o Governo a ponderar o quê, quem, como e quando melhor serve esse ciclo.

Pode e deve dizer que se na Assembleia da República há quem questione a capacidade do actual Governo para realizar estas mudanças que são indispensáveis e inadiáveis, então, nos termos da Constituição, esperemos que a mesma Assembleia soberanamente clarifique se quer, ou não, manter em funções o Governo. Condição essencial para, em caso de resposta negativa, se evitar um equívoco. E de resposta positiva, reforçar o mandato para as reformas inadiáveis.

Pode e deve dizer que reformar a pensar no médio e longo prazo, não significa termos de conviver com novas tragédias até lá chegarmos.

Pode e deve dizer que estará atento e exercerá todos os seus poderes para garantir que onde existiu ou existe fragilidade, ela terá de deixar de existir. E que não será mais possível ano após ano se garantir segurança, para ter de reconhecer no ano seguinte que ela não é possível confirmar-se.

Pode e deve dizer que é tempo de reconstruir, de iniciar um novo caminho, de acreditar no futuro na base da mudança em relação ao passado.

Pode e deve dizer que é a melhor, se não a única forma, de verdadeiramente pedir desculpa às vítimas de Junho e de Outubro. E, de facto, é justificável que se peça desculpa. É, por um lado, reconhecer com humildade que portugueses houve que não viram os poderes públicos como garante de segurança e confiança. E, por outro lado, romper com o que motivou a fragilidade, ou motiva o desalento, ou a descrença dos portugueses.

Quem não entenda isto — humildade cívica e ruptura com o que não provou ou não convenceu —, não entendeu nada do essencial que se passou no nosso país.

Para mim, como Presidente da República, o mudar de vida neste domínio é um dos testes decisivos ao comprimento do mandato que assumi. E nele me empenharei totalmente até ao fim desse mandato.

Impõem-no milhões de portugueses. Mas impõem-no, sobretudo, os mais de 100 portugueses que tanto esperavam da vida no início do Verão de 2017 e não chegaram ao dia de hoje."


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Hélio Madeiras


Adriano Miranda


Mais de 100 mortos em menos de 4 meses, reduzido a cinzas o Pinhal de Leiria que os reis D. Afonso III e D. Dinis mandaram plantar há mais de 700 anos e vários relatórios sobre os incêndios de Pedrógão — em especial, o elaborado pela Comissão Independente nomeada pela Assembleia da República que apontou graves falhas na prevenção e combate aos incêndios, desde logo da Protecção Civil, na tutela do Ministério da Administração Interna —, obrigaram o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa a dar um murro na mesa do governo de António Costa.

Agora espera-se que, após o Conselho de Ministros extraordinário do próximo sábado que irá analisar os relatórios sobre Pedrógão, o primeiro-ministro anuncie o pedido de demissão da ministra da Administração Interna.
Só peca por tardia. Aquando dos fogos florestais de Junho, percebeu-se que Constança Urbano de Sousa pouco mais tinha feito além de decapitar as chefias da Protecção Civil para arranjar emprego para a rapaziada socialista.

Sobre a moção de censura que o CDS vai apresentar no parlamento contra o Governo, e que o PSD deixou antever que apoiará, o Presidente tira as ilações das duas opções possíveis. Se a moção for aprovada, evita-se o "equívoco" de prosseguir com um governo sem suporte parlamentar. Se for chumbada — o que obviamente vai suceder porque os interesses de BE e PCP na administração pública e no sector empresarial do Estado passam pela continuidade do governo socialista —, o actual governo sai "reforçado" para concretizar as "reformas inadiáveis" na floresta portuguesa.

No entanto, não pense António Costa que vai poder continuar a entregar pastas ministeriais a gente incompetente que deixe morrer mais uma centena de portugueses no próximo Verão. E um dia depois da tragédia vir debitar um discurso solidário, como o de ontem, iniciado com um leve sorriso e sem assumir culpas e responsabilidades.
É que nesta declaração ao País, no palco do concelho mais fustigado pelos incêndios deste mês de Outubro, Marcelo Rebelo de Sousa deixou claro que vai cumprir a Constituição, estando disposto a usar os poderes que nela lhe são conferidos para garantir que as fragilidades governativas não voltem a colocar em causa a segurança dos portugueses.



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