quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Quem tem medo da PACC?


Candidatos à carreira docente não querem fazer uma prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC), prevista no Estatuto da Carreira Docente desde 2007, com duas componentes — uma comum e outra específica do grupo de recrutamento — em que a componente comum vai realizar-se no próximo dia 18 de Dezembro e tem questões com grau de dificuldade similar às desta prova.

Na passada segunda-feira, o Ministério da Educação e Ciência chegou a acordo com a Federação Nacional de Educação e mais dois sindicatos da UGT, em troca de tornar a prova facultativa para os docentes contratados com cinco ou mais anos de serviço, contabilizado até 31 de Agosto de 2013, o que abrange mais de 25 mil dos 43.606 educadores e professores sem vínculo à função pública que este ano se candidataram a dar aulas.
Para tal, recorreu à norma transitória (art.3º) do decreto que regulamenta a PACC — DReg 7/2013 — a qual estabelece: "Os candidatos com cinco ou mais anos de serviço docente que não obtenham aprovação na prova podem ser admitidos aos concursos de seleção e recrutamento de pessoal docente que se realizem até 31 de Dezembro de 2014".

Argumentam os que continuam a contestar a prova que já têm uma licenciatura para ensino e foram avaliados anualmente nas escolas.

Esquecem-se, porém, de dizer que muitos deles obtiveram essas licenciaturas em escolas superiores de educação (ESE) do ensino politécnico ou em universidades privadas sem qualidade, criadas aos magotes apenas para dar emprego a políticos que não queriam ensinar miúdos mal-educados que frequentam os ensinos básico e secundário, além de pretenderem usufruir salários mais elevados que os dos docentes do ensino não superior.

Recentemente o ministro da Educação e Ciência considerou inaceitável que os professores dos 1º e 2º ciclos do ensino básico não tenham boas bases em Português e Matemática: “É possível, neste momento, um professor do 2º ciclo fazer todo o seu percurso tendo reprovado a Matemática no 9.º ano de escolaridade, tendo passado o secundário sem ter Matemática. E depois ir para uma licenciatura em Educação e ir ensinar Português e Matemática aos alunos do 2.º ciclo”, revelou Nuno Crato, concluindo que esta situação “não se pode manter”.

No ano lectivo 2005-2006, a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa já não recebia matrículas para os cursos de ensino porque a percentagem de reprovações era elevadíssima e os alunos acabavam, ao fim de dois ou três anos de reprovações sucessivas, por pedir transferência para alguma universidade privada onde acabavam os cursos rapidamente e com elevadas classificações. Só não são exactamente licenciaturas tipo Relvas porque levam mais tempo e fazem mais exames. Mas exames cujo tipo de perguntas conhecem com uma semana de antecedência, diga-se de passagem.

Muitas vezes ouvi lamentos de colegas mais novas que tinham feito as suas licenciaturas nas Universidades do Porto, de Lisboa ou de Coimbra e continuavam no quadro de zona pedagógica, portanto obrigadas a fazer concursos anuais e a mudar de escola. Enquanto os seus antigos colegas do ensino secundário que haviam obtido classificações muito inferiores nos exames dos 11º e 12º anos e, em consequência, não tinham obtido vaga no ensino superior público, já haviam entrado para o quadro de escola por terem acabado as licenciaturas em universidades privadas com classificações... mais elevadas.

Quanto ao argumento de que foram avaliados todos os anos nas escolas, só poderá ficar convencido quem não trabalhou durante trinta e sete anos em escolas públicas e não viu a miséria intelectual que por lá vai.

Com a formação dos agrupamentos de escolas, que reúnem estabelecimentos de ensino desde o pré-escolar até ao 3º ciclo, aos docentes formados pelas universidades vieram juntar-se os educadores do pré-escolar e os professores do 1º ciclo licenciados pelas ESE e até indivíduos com diplomas de estudos superiores especializados oferecidos pelo governo Guterres que nem têm equivalência a licenciatura.
Ora é neste caldeirão que é eleito o Conselho Geral do agrupamento, que escolhe o Director, o qual preside ao Conselho Pedagógico constituído pelos coordenadores dos seis departamentos — pré-escolar, 1º ciclo, Línguas, Humanidades, Matemática e Ciências Experimentais, Expressões — por si nomeados¹.

Para se ter uma ideia do nível intelectual dos membros deste conselho, basta dizer que, numa escola onde trabalhei, o coordenador de Matemática e Ciências Experimentais é licenciado em Zootecnia, eufemismo actualmente usado no ensino politécnico para designar a Pecuária.
Em todos os modelos de avaliação foram sempre o director do agrupamento, o director dos centros de formação de professores (agências de emprego dos partidos políticos) e os coordenadores quem seleccionou os avaliadores de todos os outros professores. Mesmo o modelo de Nuno Crato — que põe ênfase na observação de aulas com 42% de peso na classificação final, logo é o melhor de todos — não conseguiu criar uma classe de avaliadores de mérito.

Portanto sobre o rigor da avaliação do desempenho docente estamos conversados.

É a estas iniquidades que o ministro Nuno Crato pretende pôr termo através da PACC.

Qualquer professor tem de saber resolver um problema simples do quotidiano, dominar o cálculo mental, escrever com correcção gramatical, ter uma sólida cultura geral e saber ensinar os conteúdos programáticos da sua disciplina sem estar colado ao manual e repetir os erros que eventualmente escapem aos autores nas primeiras edições.
O manual de Físico-Química do 7º ano do projecto Desafios da Santillana-Constância, por exemplo, tem um erro tipográfico no exercício resolvido da página 29. No ano passado, uma docente da minha escola copiou o exercício sem o corrigir. Ora um professor de Física tem de saber calcular o ano-luz em quilómetros, se não souber como poderá ensinar esta noção aos seus alunos?

Nuno Crato pretende que situações deste tipo desapareçam doravante e o objectivo da PACC é, justamente, separar o trigo do joio na futura classe docente.

Na classe dos engenheiros, por exemplo, há uma ordem que desempenha essa função e elimina quem obteve licenciaturas em universidades de qualidade duvidosa, como aconteceu com José Sócrates que nunca foi admitido na Ordem dos Engenheiros e, portanto, não pode exercer essa profissão.
Os professores deixaram-se cair na teia de aranha de poderosos sindicatos que pugnaram pelo aumento dos salários mas permitiram a degradação da qualidade do ensino nas escolas públicas, na maioria das quais a classificação média dos alunos nos exames nacionais está abaixo do valor esperado de contexto, ou seja, do que seria expectável pelo contexto socioeconómico da escola, como é visível neste ranking das escolas.
Não beneficiando da defesa da qualidade dos profissionais que uma Ordem dos Professores certamente faria, cabe ao Ministério da Educação e Ciência defender a aptidão e o prestígio do professorado, defender o interesse dos alunos, procurando dar-lhes os melhores professores, e defender o interesse da sociedade permitindo que os alunos saiam mais qualificados.


Por outro lado, pessoas que não se sabem comportar nas galerias do parlamento, que usam linguagem imprópria de professor e fazem arruaças, também não são capazes de criar um ambiente de trabalho dentro de uma sala de aula, de ensinar os alunos a cumprirem regras e permitem faltas de respeito, portanto não sabem educar crianças e adolescentes.
Uma coisa é criticar políticas, apresentando factos reais e argumentos racionais, outra é berrar em manifestações e insultar deputados e ministros. Perdem credibilidade os partidos que apoiarem este tipo de atitudes.

Gastaram quase duas dezenas de milhares de euros na compra de uma licenciatura/mestrado numa ESE ou universidade privada sem qualidade e agora receiam reprovar na PACC e ser impedidos de seguir uma profissão remunerada a partir de 1200 euros mensais? Temos pena.
Com menos de 5 anos de exercício da profissão, devem ter menos de 28 anos. Ainda vão a tempo. Matriculem-se numa universidade a sério, estudem a sério, trabalhem a sério e depois não vai haver prova de conhecimentos e capacidades que vos possa meter medo.

Então tudo está bem na PACC? Não.
É inadmissível que na resposta de desenvolvimento seja exigido o uso do acordo ortográfico de 1990, uma cedência vergonhosa deste Governo aos interesses financeiros de editoras e afins.
Mas isso não incomoda a maioria dos candidatos à carreira docente que viram no novo acordo ortográfico, apesar deste alterar um número reduzido de palavras, o bode expiatório ideal para todos os seus erros ortográficos e até, pasme-se, caro leitor, para os erros gramaticais e ausência de conhecimentos literários, defendendo-o com tanto ardor quanto põem no ataque à PACC. Que, com ou sem acordo ortográfico, os vai reprovar por demérito.


Referências
  1. Nuno Crato obriga os directores a listarem três docentes e o departamento elege um deles. Na prática, os directores contornam a nova legislação colocando na lista dois docentes de escalões mais baixos e o departamento, obviamente, elege o de escalão superior. Ou seja, agora é eleito o mesmo coordenador que anteriormente era nomeado.


2 comentários:

  1. Caro autor:
    concordo com parte do que escreveu mas deixe-me dizer-lhe que revela alguma ignorância no que diz respeito ao estado do ensino, o que não devia acontecer já que se diz experiente no que respeita a estas situações:
    Como deveria saber, ter 5 anos de serviço não é uma mesmo que ter acabado o curso há 5 anos; como deve ter reparado, há cada vez menos colegas contratados a chegar às escolas e os que chegam são cada vez menos novos... quantos colegas acabaram a licenciatura (pré-bolonha, em ensino, com estágio e prática pedagógica comprovada e avaliada) e passam tempos e tempos sem poderem leccionar? Sabe? Bastantes!
    Mais, deixe-me informar-lhe que existem colegas que, apesar de ter trabalhado mais de 5 anos não têm 5 anos de tempo de serviço - trabalharam a recibos verdes, tiveram horário incompleto,... por isso, não julgue precipitadamente as coisas pois poderá estar a faltar à verdade!
    Deixe-me dizer também o seguinte: é também verdade que muitos colegas obtiveram a sua licenciatura ou a sua profissionalização por vias "travessas" (o que não é o meu caso - por isso não me incomoda que o diga), mas são são os colegas com menos de 5 anos? não existem casos desses com colegas contratados com mais de 5 anos de tempo de serviço e até com colegas do quadro? A culpa da indisciplina e da falta de conhecimento dos alunos são destes colegas que mal leccionaram ou daqueles que têm leccionado há algum tempo? A qualidade do ensino é fraca?! Pois é, mas a culpa é dos pobres contratados, com vida de caracol, que lutam por migalhas e dão tudo quanto podem, vestindo cada ano uma "camisola" diferente como se fosse a sua pele, ou daqueles que se acomodaram, com a sua experiência, no seu cantinho?
    Não me incomoda fazer esta prova. Mas é esta a prova que me vai dizer se eu sou capaz de ser professor ou não?! Se sim, então que seja feita por todos, seja contratado ou de quadro! Ou só os contratados é que precisam de ter qualidade e competência? Se há contratados incompetentes também os há nos quadros das escolas. E deixe-me dizer que erros por colegas com menos de 5 anos pode ser classificado de inexperiência quanto aos erros cometidos pelos "notáveis" só pode ser por "burrice"!

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    1. 1. A degradação da qualidade do ensino começou com o alargamento da escolaridade obrigatória para 6 anos, decidido em 1964 e implementado na década seguinte, devido à carência de recursos materiais e humanos nessa época.
      Degradação que se acentuou em 1974-75 com as passagens administrativas e, nas décadas seguintes, com o reinado do Eduquês, como está resumido aqui.
      No artigo não se atribui a responsabilidade aos colegas contratados mas, globalmente, à classe dos professores e à tutela a quem, na ausência de uma ordem profissional, cabia executar uma política educativa que dignificasse a profissão.

      2. Obviamente que a prova devia ser feita por todos os educadores e professores, sejam contratados ou dos quadros, e tal devia ter sido estabelecido em 2007 quando foi profundamente alterado o Estatuto da Carreira Docente.
      Mas não houve, nem vai haver, condições políticas para avançar com essa medida. Repare que a tutela começou por um grupo de quarenta mil professores mas deixou na regulamentação uma norma transitória para reduzir ao grupo dos que têm menos de cinco anos de serviço docente.

      3. Aproveito esta troca de ideias para acrescentar o seguinte: não posso concordar nem os com os locais escolhidos para a realização da prova, nem com os classificadores da pergunta de desenvolvimento (20% da cotação) que tem de ser corrigida por meios humanos.
      Nos estabelecimentos do ensino não superior devem realizar-se os exames do ensino básico/secundário que são corrigidos por docentes desses níveis de ensino. E nada mais.
      Entendo os problemas logísticos que acarretaria a realização da prova em instituições do ensino superior e a sua correcção por docentes desse ensino, mas era esta a opção que dignificava o professorado.

      4. No resultado de um exame tem um peso decisivo as capacidades e os conhecimentos do avaliado, mas pode intervir o factor sorte. É preciso preparar a mente. Se me permite uma sugestão, na véspera desligue o telemóvel, concentre-se na pergunta de desenvolvimento (onde vai ter de argumentar) e depois repouse o espírito ouvindo um concerto de Mozart. Desejo-lhe felicidades.

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