sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Quem tem medo dos juízes?


Jorge Bleck, entrevistado no programa ”A cor do dinheiro” de 16 de Janeiro, começa por surpreender as lusas mentes com esta revelação:
"Tenho uma limitação profissional porque a sociedade de advogados a que pertenço, a Linklaters, tem um código muito rígido relativamente a investimentos e não me permite investir em acções. Porque somos depositários de muita informação privilegiada. Nunca sabemos qual é a empresa que vamos tratar, o facto de não ser cliente hoje não quer dizer que não seja cliente amanhã."





Questionado se temos advogados a mais em Portugal, respondeu que "temos" e aconteceu devido à "extraordinária inflação da oferta de faculdades e do número de alunos. E houve uma tendência para as pessoas se inscreverem mais nos cursos humanísticos, do que nos de ciências, e a advocacia era um".

Como o ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior aumentou este ano lectivo em 10% as vagas para Direito, naturalmente Camilo Lourenço (CL) quis saber a opinião do entrevistado a respeito desta incongruência e sobre a redução do numerus clausus na área do Direito. Eis a resposta:
"A ligação das faculdades à vida real ainda é muito distante. O nível de apoio do Estado às universidades públicas é feito per capita e portanto quanto mais alunos tiverem [melhor] (...). Há duas teses que se confrontam. Uma tese de mercado pura e dura, a procura é que disciplina a oferta, quem for para lá e ficar desempregado, paciência. Mas, no que respeita às universidades públicas, creio que o dinheiro devia ser melhor gerido. Devíamos ter melhores faculdades, professores melhor remunerados, porventura fazendo menos paracerística.
(...)
Creio que os pareceres são o cancro da faculdade de Direito. Compreende-se que os professores assim façam. O nível intelectual dos professores de Direito é, regra geral, muitíssimo bom e, comparativamente ao mercado da advocacia, a remuneração dos professores está muito abaixo, de modo que o recurso de pessoas daquele calibre é darem pareceres porque são muito acolhidos nos nossos tribunais. No momento em que os pareceres não puderem ser juntos às peças processuais, os professores deixam de ter essa receita.
Há duas soluções. Uma é aumentar substancialmente a remuneração dos professores, exigindo-se-lhes exclusividade, e continuar a ter o mesmo nível de qualidade de professores; outra é, se se continuar com os pareceres, então que os pareceres sejam das instituições. É a própria instituição que dá o parecer e os professores auferirão de uma forma indirecta.
O sistema actual leva a que, muitas vezes, os professores não publiquem, porque quem publica compromete-se e ao comprometerem-se o seu mercado de pareceres reduz-se. E do ponto de vista humano é natural esperar que o professor defenda o seu mercado.
"

Quando CL indagou por que é que a justiça está tão mal em Portugal, se é uma força de bloqueio, Jorge Bleck, embora recusando falar em bloqueio, explicou que há várias razões:
"Na justiça é onde se sente, de forma mais pesada, a herança do salazarismo, sobretudo naquilo que chamamos o direito adjectivo, o direito processual. Há uma tendência de disciplinar, regulamentar e criar baias aos juízes. Devíamos dar maior liberdade às magistraturas para julgarem, ter códigos mais flexíveis que dessem mais arbítrio aos juízes."

Em relação à produtividade das magistraturas, considera que a produtividade é um problema transversal da sociedade portuguesa e até "a maior parte dos juízes portugueses é incansável no trabalho (...)"
"Temos muitos processos por um acumular de situações, temos muitas minudências que prendem o tempo dos juízes e que seriam melhor julgadas noutro tipo de julgados.
O tribunal é uma instituição muito cara, no que custa da formação dos juízes, dos funcionários judiciais, das instalações e da informatização que devia ser reservada para verdadeiros casos e há muitas minudências na justiça. Para dar uma imagem do hospital, é cura do penso e a cirurgia mais sofisticada.
"

Quanto ao bastonário da ordem, Marinho Pinto, embora considere que "dispara em tantas direcções que às vezes perde a razão", no que diz respeito "à disciplina financeira que quer introduzir na ordem, tem uma substancial razão. É evidente que isso mexe com coisas muito sérias e daí parte da guerra que lhe estão a fazer".


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